O complexo turístico de Las Terrazas localiza-se a cerca de 50 km de Havana. Situado em Sierra del Rosário, o parque de cinco mil hectares foi declarado pela Unesco Reserva da Biosfera pela experiência bem-sucedida de desenvolvimento sustentável. O projeto teve início em 1968, quando se notou um processo de aterro do Lago San Juan e de desmatamento da região. Hoje vivem lá cerca de mil moradores que são capazes de preservar a região e conviver em harmonia com o meio ambiente sem intervir de maneira excessivamente predatória na natureza. A presença dos turistas também é controlada, porém constante. Os visitantes podem praticar caminhadas, passeios a cavalo e tomar banho nos lagos e cachoeiras da região. Mais informações através de (http://www.lasterrazas.cu/).
Quando estava em Cuba fui convidado por Soledad a visitar o parque. Conhecemos a casa memorial de Polo Montañes, espécie de cantor sertanejo cubano que morreu cedo e ainda hoje é cultuado no país. Lá vive seu irmão, que tenta vender alguns cds aos visitantes que param ali. Chegamos à margem do Lago San Juan, um local lindíssimo e realmente muito bem preservado, por sinal. Bem como as quedas d’água do rio de mesmo nome. As águas cristalinas permitem o mergulho e a prática da natação. Os restaurantes em Las Terrazas servem a típica e excelente culinária cubana.
Depois do almoço, sentamo-nos à beira do lago para falar amenidades. Alguns sentiam falta de seus países, outros se queixavam de seus cônjuges e outros mais, apenas escutavam. Hora, hora e meia depois, o grupo foi se dissipando, sobrando apenas Soledad e poucos amigos. Fabianne era uma belga de seus 50 e poucos anos. Contou que viajara a Cuba acompanhando o marido em uma viagem de negócios. Funcionário da cervejaria belgo-brasileira, Inbev, Gerard estava no país para representar a empresa que, em 1997, comprou as principais marcas de cerveja da Ilha: Cristal, Mayabe, Bucanero e Bucanero Malta, e ainda empurrou, literalmente goela abaixo dos cubanos, a alemã Beck’s. Fabianne contou ainda que, assim como Gerard, outros empresários estrangeiros estavam no país, preparando as bases capitalistas do que consideravam vir a ser um novo país após a morte do comandante-em-chefe.
Soledad também falou. Seu pai era um alto funcionário do governo cubano e vivia em uma confortável casa em uma cidade próxima de Sierra Escambray. Admitiu que ser membro do governo cubano o concedia alguns benefícios. Como o quê, perguntei. Comida boa e farta, por exemplo, respondeu. Não se pode deixar transparecer que se leva uma vida muito luxuosa. A discrição é uma qualidade imprescindível de um homem e a ostentação pode ser fatal a quem trabalha para Fidel. A cada cinco anos, mais ou menos, o comandante decide fazer um faxina no governo e manda algumas dúzias de políticos corruptos para o paredón, sem exceção nem mesmo para os amigos.
Os pais se divorciaram havia muitos anos. A mãe, dona Ivis, então se casou com outro homem com quem Soledad não se dava muito bem. Anti-castrista ferrenho, Miguel não gostava do envolvimento da enteada com política, muito menos com o governo. Até que certo dia, durante uma áspera discussão, Miguel proibiu Soledad de voltar à casa onde sua mãe morava. Dona Ivis ficou muito triste, mas resignou-se e recolheu-se à sua condição de esposa obediente. A tristeza de Soledad virou fúria e ela rogou aos céus que fizessem justiça a Miguel. Certo dia, ao cair da tarde, conta, fui até o jardim da minha casa. Orei profundamente e, olhando para o sol que se punha no céu avermelhado, pedi aos orixás que dessem àquele homem o tratamento que ele merecesse, qualquer que fosse ele, lembra. Dias depois, Miguel morreria em um acidente automobilístico.
Os anos se passaram e Soledad também perderia o marido em tragédia semelhante dentro de um carro. Desde então, vivia em uma casa simples no município de Cojimar, a cerca de uma hora de Havana. A mãe, a avó, duas irmãs e algumas sobrinhas viviam no andar de baixo. Soledad, o sobrinho Carlos, Salsicha e Cuquita, suas cachorras, no puxadinho construído no andar de cima. Todas as dificuldades a faziam querer sair do país, dar aulas em uma universidade espanhola, como já havia sido chamada.
Contei o caso de milhares de brasileiros que saem do país a cada ano rumo à América do Norte e Europa para tentar a sorte como pedreiros, garçons, faxineiros, lixeiros, marceneiros, mecânicos etc. No Brasil, ao contrário de Cuba, grande parte da população depende de um sistema de saúde deficiente que deixa idosos morrerem nas filas dos hospitais à espera de atendimento médico, não sabe ler ou consegue apenas assinar o próprio nome, vive problemas gravíssimos de segurança pública, fruto da extrema desigualdade social e habita em locais precários, como barracos erguidos em cima de morros ou às margens de rios sem condições mínimas de saneamento. O Brasil, assim como Cuba, é um país de mierda, constatou Soledad.
Fiquei com vontade de perguntar o que ela diria então de países como o vizinho caribenho Haiti, sem governo, mergulhado em uma guerra civil sem fim; a Índia, em que a maioria esmagadora de seu povo não tem o que comer, as vacas pastam sossegadamente pelos campos, mas é considerada uma potência emergente por seu suposto crescimento econômico; a Itália, que escolhe o neofascista Berlusconi como primeiro-ministro, ou os Estados Unidos que elege e reelege o acéfalo fundamentalista George W. Bush.
Mas, ao contrário, preferi convidar a todos para tomarmos uns mojitos e cubas libres à beira do Lago San Juan, onde enchemos a cara e nos refestelamos debaixo das primeiras estrelas que já despontavam no céu àquela hora.
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