segunda-feira, novembro 06, 2006

El capitán

O salário mínimo em Cuba gira em torno de MN 250 (MN = moneda nacional, ou pesos cubanos) ou US$ 10. Professores universitários e médicos podem chegar a ganhar o dobro disso. Cada cidadão possui uma caderneta de alimentação onde constam alguns itens que podem ser comprados por preços subsidiados pelo govrno, como papel higiênico, sabão em pó, arroz e pouca coisa mais. Por isto, os cubanos buscam maneiras alternativas de ganhar algum dinheiro a mais para adquirir produtos que não estejam dentro do considerado “básico” pelo Estado. Nos últimos 15 anos o turismo cresceu muito em Cuba. Trabalhar formal ou informalmente com estrangeiros é uma das maneiras de se obter dólares ou, até mesmo, deixar o país a convite de um deles. Motoristas de táxi e camareiras de hotel, por exemplo, são profissões emergentes dentro desta nova lógica neo-socialista-cubana.

Por isso, muito profissionais “liberais”, como engenheiros, advogados, jornalistas acabam deixando seus ofícios para se dedicarem a atender os turistas que chegam ao país. Este também é o caso de ex-atletas profissionais que, ao abandonarem o desporto, passam a atuar no setor turístico. Tradicional formador de campeões em diversas modalidades, Cuba orgulha-se de promover desde a tenra idade a prática de esportes nas escolas. Além de um mecanismo de inclusão social e saúde, o êxito internacional de seus atletas não deixa de ser uma propaganda para o regime socialista. Um problema enfrentado pelas equipes de hoje em dia é o grande número de desportistas que migram para outros países, principalmente os Estados Unidos, seduzidos pelos altos salários pagos em dólares. Basta olhar a escalação de qualquer equipe que dispute a liga norte-americana de baseball para dar-se conta da esmagadora maioria de sobrenomes hispânicos. Como punição, esses atletas deixam de ser convocados a representar o país em competições internacionais.

O tradicional clube de jazz “La Zorra y El Cuervo” é parada obrigatória para os amantes do gênero que chegam a Havana. Localizada na Rua 23, ou mais conhecida como “La Rampa”, a casa costuma receber, diariamente, muitos turistas que pagam o equivalente a um mês de trabalho para um cubano comum. Muitos músicos consagrados do gênero no país tocam por lá, como o guitarrista Pablo Menéndez, o pianista Roberto Fonseca e o baterista Gilberto Valdés. Ao chegar ao local, o cliente é recebido na entrada e acompanhado até a sua mesa onde se acomoda para assistir ao show. Esta função é exercida pelo capitán, que é responsável por tudo que se passe no salão da casa noturna. Uma espécie de gerente da casa. Em La Zorra, el capitán atende pelo nome de Ricardo Vantes.

Negro, 1,90m de altura, bem articulado, simpático e muito bem vestido, hoje Vantes exerce uma atividade bastante diferente da que costumou praticar nos últimos 14 anos. Até 1998, ele era o oposto da equipe de vôlei que encantou o mundo naquela década e aterrorizou os brasileiros em pan-americanos e olimpíadas. Na final do Mundial de 90, Vantes, Joel Despagne, Diago, Hosvanis, Osualdo e Valdez derrotaram o Brasil por 3 sets a 2. Quando a partida estava 2 a 0 para os brasileiros, Vantes entrou em ação e ajudou seu time a virar o jogo e acabar com a nossa festa em pleno território verde-amarelo. “Aquele foi o jogo da minha vida”, declara.
Nascido em Camagüey, província a leste de Havana, o jogador mudou-se para a capital, quando ainda era juvenil. “É aqui que tudo acontece no voleibol cubano”, explica. Em 14 anos como atleta da seleção, conquistou, além do título em cima dos brasileiros, a Copa do Mundo de 90, disputada no Japão, a medalha de bronze no Mundial de 93 e o quarto lugar nas Olimpíadas de Atlanta, em 96. O ex-jogador se lembra muito bem da rivalidade existente entre as duas escolas latino-americanas. “Era como um choque de trens”. Mas Vantes guarda com saudades os velhos amigos brazucas. “Gostaria de reencontrar os jogadores da minha geração, como (Marcelo) Negrão, Tande e Kid. Dentro de quadra a disputa era acirrada, mas fora dela, a relação era ótima”, conta.

Depois que se aposentou como atleta, em 98, Vantes cursou Educação Física e depois Marketing. Chegou a exercer a função de manager da seleção feminina e também integrou a Comissão Nacional de Vôlei de Praia. Além das necessidades óbvias, o ex-atleta explica as outras razões da sua guinada profissional. “Gosto de conhecer um pouco de cada coisa e a música sempre me cativou”. Ele se considera realizado como ex-atleta e reconhecido em seu país, mas agora quer buscar novos desafios. “Quando era jogador, nunca pensei em trabalhar aqui, mas agora quero vencer também nesta área”, assegura.

Hoje, Vantes se mostra triste com a atual safra de jogadores cubanos. Para ele, a geração é mais alta, mas falta amor à camisa. “Antes, tínhamos mais desejo de ganhar e representar o nosso país. Atualmente, embora eles tenham mais condições, pensam mais em ganhar dinheiro e sair de Cuba”, lamenta. “Minha geração era mais patriota, se entregava mais ao vôlei”, analisa o ex-atleta que, ao se aposentar na seleção, também teve uma passagem pela Grécia em 96 após os Jogos Olímpicos. Mesmo assim, o “capitán” confia no futuro da equipe nacional. Ele se rende à atual supremacia do vôlei brasileiro e revela o interesse dos dirigentes cubanos em realizar um intercâmbio com os nossos treinadores. “O Brasil hoje é o melhor do mundo, tanto no masculino, quanto no feminino e precisamos desta troca de informações para voltarmos ao topo”, afirma.

Um comentário:

Anônimo disse...

Já vi dois ensaios fotográficos sobre Cuba: um colorido e alegre, o outro, no livro de Ruy Castro, em PB e um tanto triste.
Cuba é fascinante. Ficamos com a sensação de saber se somos contra ou a favor. Mas sem dúvida a paixão do povo cubano empresta um brilho especial a tudo que diz respeito a esse país.