quarta-feira, novembro 01, 2006

Jineteros



Os jineteros são presenças constantes nas ruas de Havana. Ao cair da noite ou mesmo à luz do dia não é difícil identificá-los. Cabelos crespos e barba bem aparados, bigode fino bem rente ao lábio superior, camisetas sem manga deixando à mostra os músculos bem torneados do braço e calça de nylon justa evidenciando os glúteos. O estereótipo do homem cubano que toda mulher estrangeira sonha viver um tórrido romance marginal, como nos filmes estadunidenses.

A abordagem não é menos conhecida. Pelas ruas, nos bares, nas saídas de concertos musicais, teatros ou hotéis, lá estão eles. Aproximam-se muito simpáticos perguntando “de que país eres” e se “no le gustaria conocer mejor la ciudad”. Uma característica típica é a insistência. Não desistem na primeira recusa. Seduzem a vítima falando da beleza dos monumentos de Havana Vieja, das Playas del Leste e dos drinques da Bodeguita del Médio, onde Hemingway tomava das suas. Encantados e ávidos por conhecer as maravilhas pelas quais já ouviram falaram nos quatro cantos do mundo, os desavisados turistas acabam topando.

Porém, há outras formas de aproximação. Muitos estrangeiros procuram a Universidade para cursos de línguas, dança, entre outros. Dentro da própria instituição há uma agência de turismo que facilita o ingresso dos de fora, mesmo que não tenham o visto de estudante - oficialmente, condição para se estudar no país. Por isso, muitos jineteros se infiltram dentro da própria Universidade e, disfarçados de professores, passam a abordar turistas.

Outra maneira são as aulas de dança cubana espalhadas por todo o país. Salsa, rumba, merengue e suas variações. Encantadas pelo rebolado latino envolvente, as lourinhas de olhos claros da Suécia, Bélgica, Áustria, Alemanha e Canadá matriculam-se em um desses cursos para aprender aquela arte tão caliente. Com o corpo colado e as mãos do professor em torno da cintura, ouvem ao pé do ouvido o sussurrar das instruções no sensual idioma espanhol. Faça uma pesquisa: pergunte a qualquer mulher estrangeira que já tenha visitado Cuba se não teve um namorado, ou um caso sequer com um rapaz da Ilha. Claro que toda generalização é perigosa, mas hoje em dia, um casamento com uma estrangeira é a maneira mais fácil de deixar o país, desejo cada vez maior entre os cubanos desde a década de 90. As autoridades combatem duramente a ação dos aproveitadores, porém não fazem nenhuma campanha aberta para não afugentar os visitantes.

* * * * *

Karen nasceu na Áustria há 37 anos. O casamento com Walter não ia lá muito bem e por isso decidira passar um mês de férias com a irmã Kathlen e conhecer as maravilhas do Caribe. Inscreveu-se no curso de espanhol para estrangeiros e matriculou-se em uma turma de iniciantes de salsa. Lá conheceu Roberto, o professor. Karen, apesar de já ter passado do esplendor da forma física, ainda tinha os seus encantos. Mantinha o corpo saudável com boa alimentação, natação e ginástica toda manhã. O abdome definido e as pernas bem torneadas causavam inveja a qualquer garotinha de 20 e poucos anos.

Chegou à turma sem conhecer lhufas do bailado latino. O que sabia sobre dança era o exemplar nórdico-germânico de cintura dura e feições congeladas. A irmã a acompanhara nas primeiras vezes, mas desistira pouco tempo depois. Considerou aquele tipo de representação artística quase um ritual do acasalamento. Karen, porém, continuou a freqüentar as aulas. Por sua dedicação especial, Roberto a tomara como par mais constante nas demonstrações de novos passos.

Certa feita, ficou depois do horário para aprimorar um movimento do qual ainda não estava muito segura. O professor dispensou os demais funcionários da Academia de danza para que a ensinasse com mais esmero. Não queria que a moça se sentisse constrangida. A intimidade da pareja era cada vez maior. O bailado dos dois corpos era tão sincrônico que pareciam apenas um. Não era possível saber onde terminavam os movimentos de um e onde começavam os do outro. Até que uma hora a harmonia ficou tão perfeita que Roberto e Karen chegaram ao êxtase simultaneamente.

A irmã Kathlen achava muito estranha tal dedicação. O dia de voltar para casa se aproximava e Karen não parecia tão entusiasmada assim em retornar à terra natal. Depois de alguma insistência da irmã, Karen acabou confessando que estava envolvida por Roberto. Contou sobre o dia na Academia, do bailado sensual do professor, de sua atenção especial à aluna, algo que há anos não recebia do próprio marido. Kathlen quedou-se paralisada com a história e se perguntou como demorara tanto tempo para perceber. Sentiu-se culpada por ter consentido que a irmã continuasse a freqüentar as aulas. No dia da partida, Kathlen foi. Karen ficou.

O romance entre Karen e Roberto tornava-se cada vez mais evidente. Alguns alunos da academia chegavam a comentar, embora ninguém tivesse provas. Após as aulas, Karen saía na frente e esperava Roberto na esquina da casa dele para que ninguém desconfiasse. A austríaca estava cada vez mais apaixonada. Tornara-se também ciumenta. Demonstrava muita contrariedade quando uma nova aluna chegava e Roberto lhe dedicava atenção. Passou a desconfiar quando, algumas vezes, o professor não ia mais com tanta freqüência ao seu encontro.

Até que, certo dia, Karen o seguiu até sua casa sem que Roberto percebesse. Notou a presença de uma jovem atrás de uma das colunas do prédio. Achou tratar-se de uma das novas alunas da turma, mas não teve certeza. Roberto entrou no prédio. Pouco tempo depois, a mulher entrou também. Karen foi embora num misto de fúria, depressão e pânico. Sozinha em um país estranho, sem falar fluentemente espanhol, ficou sem rumo.

Desapareceu das aulas. Ficou dias a andar pela cidade, sem conversar com ninguém, com desejo de voltar à Áustria. Em vez disso, voltou a freqüentar as aulas de espanhol. Decidira permanecer por mais tempo em solo caribenho pensando que o que a esperava na Europa não era tão melhor assim. Reingressou na turma de Soledad e lá fez novos amigos. Todo início de mês uma nova turma começava. Desta vez, alguns canadenses, franceses, italianos e até coreanos. Divertiu-se com as atividades multidisciplinares da professora e até se esqueceu de Roberto por alguns dias. Saiu, bebeu, deu risadas e até dançou com novos pares.

Um desses pares era Andrew. Um canadense 15 anos mais novo que ela. Fã dos ideais de Che Guevara, fora a Cuba conhecer o país onde todas as utopias de um mundo sem saída ainda permaneciam vivas. Ao menos nos longos discursos de Fidel, nos monumentos aos heróis da pátria e nos outdoors espelhados pelas ruas onde se lêem Vamos bien. Andrew era um fã da música cubana e dos filmes de Almodóvar. Por isso, mesmo nunca tendo estudado espanhol antes na sua vida, ingressara no nível intermediário, em que Karen também estudava.

Em um final de semana, a turma decidiu se reunir em frente ao Malecón, espécie de calçadão da orla de Havana, para tocar umas modas havaneras e tomar alguns mojitos. Karen ainda estava um pouco entristecida, porém disposta a esquecer Roberto. Papo vai, papo vem, todos na roda contaram um pouco das suas vidas em seus países. Andrew estava prestes a se casar com Jeniffer quando voltasse. Disse ainda que a moça esperava um filho seu e que estava muito feliz por isso. Fizera aquela viagem com o pretexto de aprender uma língua, mas na verdade, encarava como sua despedida de solteiro.

Karen também contou sobre seu caso com o cubano e seus olhos chegaram a ficar marejados com as recordações. Mas antes que o clima de velório se instalasse, uma música alegre começou a tocar:

A las cinco de la mañana

caiendo me voy caiendo

con una botella´e ron

mi mujer me abandonó

Andrew puxou Karen pelo braço e ambos começaram a dançar. Nenhum dos dois estava lá muito sóbrio e os passos mal sincronizados. Mas nem assim, queriam parar. Riam-se muito, comentavam coisas engraçadas um no ouvido do outro em espanhol, inglês, francês, alemão, não importava. O sol começava a nascer quando Karen se viu entrando no quarto do hotel de Andrew, tirando a roupa e fazendo amor. De tão ébrio, o jovem caiu no sono pesado logo depois de consumado o ato, deixando Karen ainda mais deprimida. Mas, pelos menos, Andrew não escondera sua vida. Contara toda a verdade antes e ela também. Achou graça, gargalhou e sentiu-se, de certa forma, vingada. Melhor assim para os dois, pensou. Bateu a porta, foi-se embora e os dois nunca mais se viram.

Dias depois, caminhando por uma rua do bairro de Vedado, deu de cara com Roberto. O professor a perguntou onde esteve nesse tempo todo, disse-lhe que sentia muita saudade e marcou um encontro. Karen não falou nada. Que o tinha visto com outra mulher, como se sentira depois disso, que pensara em voltar à Áustria, nem se iria encontrá-lo de novo. Foi embora pelo lado oposto de onde Roberto saíra. Mas, no dia e hora marcados estava lá. Desta vez era ela de novo quem se escondia atrás da pilastra. Pouco depois de o professor entrar no prédio, Karen também entrou. Subiu no apartamento, entrou no quarto, não disseram uma só palavra. Karen entregou-se novamente à antiga paixão e os dois fizeram amor como se não o fizessem há anos, tal o frenesi causado pelo contato entre os dois.

Como que evitando se falarem, só após algumas horas foram trocar palavras. Roberto não explicou como, mas soubera da noite em que Karen saíra com outro homem. Quis saber quem era e jurou matá-lo caso ela o visse de novo. Sem responder, a mulher deu o troco falando do dia em que o vira com a mulher na entrada de seu prédio. Ele então contou que se tratava de uma antiga namorada belga que voltara de seu país para visitá-lo. Os dois estavam planejando deixar o país e viver na Europa o mais breve possível. Karen ficou desnorteada e ameaçou se matar. Chorou copiosamente, mas Roberto não deu muitas outras explicações.

Karen deixou a casa de Roberto rumo ao hotel. Depois de seis meses de uma aventura caribenha, decidira finalmente, que era hora de voltar para casa. Concluiu que a partir de então enfrentaria os seus problemas de frente. Dar fim ao casamento fracassado, retomar os estudos e procurar um novo emprego. Formara-se em Música, mas o marido a convencera que deveria ficar em casa e por isso desistira da vida profissional por 15 anos. Arrumou as malas e tomou o primeiro vôo com destino a Viena. No táxi a caminho do aeroporto, pensara nos seis meses em que permanecera em Cuba. Sentiu-se uma nova mulher com um grande futuro e muita vontade de recomeçar. Devia aquilo a Roberto, Andrew, Soledad e a Fidel.

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