sexta-feira, abril 09, 2010

Sois culpados


“Sois culpados”, sentenciam presidente, governador e prefeito, em meio à campanha eleitoral majoritária, cujo carro-chefe, o PAC, redimirá todos nós.

“Sois culpados”, corroboram Bonner e Bernardes, portavozes do grande capital, em horário nobre, do alto dos púlpitos televisivos do quarto poder.

“Sois culpados”, bradam os conservadores Democratas em referência aos africanos traficados d’além-mar, supostamente escravizados por seus próprios monarcas.

“Sois culpados”, decretava o alcaide Barata Ribeiro quando, no ocaso do século XIX, proclamando o fim da “era dos cortiços”, sem saber que dava início à “era das favelas”.

“Sois culpados”, entoavam Lacerda, Negrão de Lima, Faria Lima e tantos outros que pretendiam remover as favelas do cenário urbano carioca, ignorando a força e a importância daqueles que trabalham de sol a sol para trazer prosperidade ao comércio, serviços e lares de toda cidade do Rio de Janeiro.

“Sois culpados”, clama em uníssono a sociedade civil burguesa para a descomunal massa de excluídos, na tentativa de eximir suas consciências do dolo e da inércia frente à gravíssima iniqüidade da qual é, ao mesmo tempo, vítima, cúmplice e ré.

quinta-feira, abril 01, 2010

Criadores-criaturas

Por trás do segredo dos seus olhos tentava disfarçar as vicissitudes de uma vida vazia. O amor que ficou pra trás, o ódio mal resolvido o luto apaziguado, as palavras não ditas, a sentença não proferida. Injustiça, desamor, silêncio. Seres miseráveis em sua condição de criaturas impotentes perante o criador.

Mas quem vos criou? Seríeis criadores do criador? Ajoelhai-vos diante de vossa criação. Alienai-vos de vosso trabalho, vossas leis. Olvidai-vos de vossa obra e não reconheceis nela vosso próprio labor. Vossas mãos escreveram este livro, mas já não podeis lê-lo. Vosso suor ergueu esta catedral, mas já não podeis nela orar.

Blasfemastes, pecastes. Sois a escória de vós mesmos. Criadores-criaturas ignóbeis.

Eterno Mestre

Encheram-se de lágrimas seus olhos ao ouvir o professor. Gestos meticulosamente espontâneos, fala pausada, olhar sereno lembravam-lhe o avô. Como poucos, sabia dizer muito sem esforço. Palavras saíam-lhe dos lábios como mel, docemente. Seduzia a todos ao redor. Lições de história, filosofia, metafísica, alquimia e o raio-que-o-parta. Era como se contasse historinhas a dormir.

Não sou especialista em nada, pois tenho uma vida a viver, disse-o para conforto dos ouvintes. Deleitados, discípulos não sabiam se escreviam ou fitavam o mestre. A vida é um algo e o homem, demasiadamente humano, disparou nietszcheanamente.

Eterno retorno o que é, indagou o incauto discente. Respondeu citando Zaratrusta e lembrou o anão que, embaixo do Pórtico Instante, percebeu a infinitude do passado e do futuro que repetiam-se indefinidamente e decretavam o fim do fim da história.