sexta-feira, maio 05, 2017

Sonho

Sonho com sangue
E violência
Agrido o outro como punição
Tenho muito ódio em mim

Ódio, o avesso do amor
Mas também sua face oculta
Odiamos aqueles que gostaríamos de amar
Mas a mágoa e o ressentimento
São os elementos que transmutam o amor em ódio

Permaneço agredindo o outro
Acerto em cheio o supercílio
De onde brota uma gota de sangue
Me aproximo do rosto ensanguentado
Revela-se uma face doce e terna

Sofrida
Amargurada
Ressentida
Magoada
Mas não odienta

O ódio dá lugar à culpa
Da culpa surge o amor
Tal qual o amor a Cristo
Aquele que morreu após ser condenado
Pelo populacho que preferiu salvar Barrabrás
Nós matamos Cristo
E por isso devemos amá-lo

Amo aquele a quem agrido
Mas também me culpo
Por violentar o ser amado

Eis que me aproximo ainda mais
Fito o fundo de seus olhos
Posso ver sua alma
Seu coração
Revelo-me então para mim mesmo
Num ritual de auto flagelação onírica
Exercício de depuração
Do sofrimento recalcado

Meu coração sangra
E o sangue escorre pela face aberta
Pelo amor próprio não correspondido
Que se transmuta em ódio

Amo
Odeio
Agrido
Acaricio
Vivo
Morro

Sonho.


Ciço Pereira. 5 de maio de 2017.

É preciso

É preciso parar
E pensar
Sobre a nossa miserável condição
Sobre toda frustração

É preciso rir
De nossos fracassos
Todas as vezes que tentamos seguir

Outros passos
Que não aqueles que nos são sinceros
Que não nasçam de nossos sonhos
De nossos desejos

É preciso fugir 
De tudo aquilo que nos é imposto
Como todo imposto
Que temos a contribuir

É preciso partir
De tudo que não nos afete
Por mais que a dor aperte
E possa nos ferir

É preciso parar
E pensar 
Por mais que possa doer
E nos fazer sofrer.

Ciço Pereira.
Rio de Janeiro, 26 de abril de 2017.

Um lugar

Vivo em um lugar onde acabou a poesia
As pessoas morrem um pouco a cada dia
Ou muito todos os dias

Abunda o preconceito de toda sorte
De cor, gênero, classe, não necessariamente nessa ordem

O pensamento que vigora
Ignora
Aqueles que não são iguais ao sujeito que olha

As pessoas gostam de emitir suas belas
Opiniões mas não costumam gostar de ouvir
Aquilo que se opina sobre elas

Ao falar, costuma-se privilegiar aspectos que favoreçam
Os seus pontos de vista e reduzir aqueles que não o façam

Quando a palavra já não vale nada
A força é utilizada
Para manutenção da ordem instaurada

Muitos passaram a achar nornal
Que a democracia seja apenas uma palavra na manchete do jornal

Alguns não se importam com o que ocorre
Se não for o seu filho aquele que morre

Outros ainda fingem não perceber
Que a sua indiferença ainda vai fazer
De vítima aquele a quem não se quer ver sofrer.

Ciço Pereira
Rio, 19/04/2017.