Avistei-o de longe na mesma calçada. Com medo no olhar e movimentos diametralmente opostos. Pé ante pé. Como uma imagem refletida no espelho das ruas. Entre rostos indistinguíveis na multidão, enxerguei meu estranho, aquele a quem abomino em mim mesmo.
Temi-o tal qual a possibilidade do confronto com minhas mais inconfessáveis angústias. Meu anti-herói, meu alterego do avesso. A iminência do encontro fazia-me suar sob o calor saariano. Senti as gotas de suor rolando face abaixo de minha imagem e semelhança.
Engraçadamente constrangedor, atemorizadoramente embaraçoso. A tentativa de não coincidir os passos que convergiam para o mesmo ponto foi desesperadora. Um movimento à direita meu, um à direita dele. Um gesto à esquerda de cá, um à direita de lá. Sincronicamente combinados e estávamos frente à frente.
A pressa dos transeuntes, o pavor de cruzar olhos nos olhos, o risco de um esbarrão acidental que nos tirasse de nossas individualidades invioláveis guiaram-nos à tentativa infrutífera do desencontro.
Inútil evitar. Esbarramos nossas privacidades, trombamos nossas diferenças, roçamos nossas idiossincrasias, misturamos nossas idiotias, nos perdemos em nossos preconceitos, para, ao fim, confundirmo-nos em nossas identidades.
E tudo acabou num sorriso.
Ciço Pereira
Rio, 24/02/2014.
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