Os comentários mais recorrentes que ouvi a respeito diziam ser “pesado” e “forte”. Definitivamente, o prato está por demais apimentado para o paladar açucarado da classe média burguesa formadora de opinião do sudeste do Brasil, acostumados aos quitutes insossos do horário nobre. A verdade de um cineasta nascido em Pernambuco é como pimenta nos olhos sensíveis do público médio pequeno burguês. Baixio das bestas não é um filme moral como os filmes da sessão da tarde, nem tem um final feliz como as novelas das oito. Não há mocinhos. Os bandidos – sim, eles existem – nem sempre se dão mal. E o end quase nada tem de happy. O realismo está além do horizonte de realidade que os olhos do povo que vive de frente para o mar e de costas para o Brasil podem enxergar. Cláudio Assis mostra que os problemas do país não cabem em uma edição do Jornal Nacional, pois o nosso 11 de setembro é diário e não há sabão em pó, amaciante e cerveja da Boa que limpe e amacie nossa crueza e nos embriague a ponto de nos fazer esquecer da nossa miserável condição.
Um comentário:
Conheci Claudio Assis através do filme Amarelo Manga, que por sinal foi muito bem produzido, boa câmera, planos arrojados, trilha sonora precisa, boa fotografia e, sobretudo uma minuciosa direção de elenco. Filme de grande repercussão, bem premiado, venceu o Festival de Brasília e o Fórum de Cinema de Berlin. Com uma direção veemente, exprimida através da veracidade dos atores em suas performances, que me fez ver pela primeira vez o “novo” Cinema Novo Brasileiro em uma postura subversiva, explicitando o realismo social nordestino e impondo ao homem, de forma fatalistica, o confronto com ele mesmo. Com alusões ao estômago e ao sexo, conduzidas metafisicamente através do abatedouro de carne bovina e da suculenta manga amarela refletida do sol, a permeabilidade da esfera marginalizada das periferias do Recife foram muito bem descritas, para a infelicidade dos ínfimos partidaristas e pequenos burgueses da pátria amada Brasil.
Fui ao cinema assistir o filme Baixio das Bestas pela referencia do ilustre Amarelo Manga! Sentei-me ao lado da minha querida esposa a compartilhar um saboroso saco de pipoca, percebi na primeira cena uma provocação esperada, pois já conhecia o caráter arredio do diretor, mas logo senti uma ineficiência nos planos seqüências, que exprimia não um conceito, mas uma imaturidade declarada. Existia uma espécie de preguiça na direção, as performances eram inverossímeis e, muito embora a produção tenha sido mais uma vez privilegiada pela direção de elenco, a fantástica atmosfera do cenário contido no agreste pernambucano e a infinitude cultural da abençoada região, o filme foi mediocremente depreciativo. Foi decepcionante testemunhar o retrocesso precoce de um talento emergente do cinema brasileiro! Esse que não percebeu que em uma produção de longa metragem, em caráter denunciativo, é preciso ser meticuloso, não apenas informado, mas também inteligente. Documentários já podem fazer denuncias por denuncias, longas não devem apenas denunciar, mas também sugerir, mesmo que essa seja exprimida em metáforas. Não existia originalidade na representação, povoados nordestinos são muito mais que a superficialidade clichê de “no cinema pode tudo”, são mais românticos e ao mesmo tempo mais violentos. A tentativa infeliz de constituir um marco através de uma fala me levou ao ínicio dos anos 90, chegou a ser ridículo, me recordei do incansável “As Ta La Vista Baby” de Arnold Schwarzenegger em o Exterminador do Futuro II. E a ineficiência do diretor em representar a marginalidade estigmatizada do povo agreste pernambucano, me lembrou a delinqüência de Kant Tarantino em suas representações de violência gratuita nos cinemas americanos. Acho que faltou referencia de grandes diretores do gênero, como STANLEY KUBRICK, JEAN JAC ARNAUD E O ITALIANO ETORE SCOLLA, para uma melhor representação dessa proposta. Pois falar do realismo social do agreste nordestino no cinema, sem ser pejorativo e óbvio, é preciso ser sofisticado, vanguarda e, sobretudo sugestivo. Acho que o cinema ou qualquer outra classe artística, não precisam mudar o mundo, mas fazer a diferença. Portanto, aguardarei o retorno do companheiro diretor com uma produção tão convicente quanto o Amarelo Manga, para que as classes burguesas não riam das tentativas amadoras de provocar reflexão.
Tito Oliveira
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