Era Prudêncio Aguilar quem o limpava, quem lhe dava de comer e quem lhe levava notícias esplêndidas de um desconhecido que se chamava Aureliano e que era coronel de guerra. Quando só, ele se consolava com o sonho dos quartos infinitos. Sonhava que se levantava da cama, abria a porta e passava para outro quarto igual, com a mesma cama de cabeceira de ferro batido, a mesma poltrona de vime e o mesmo quadrinho da Virgem do Remédios na parede do fundo. Desse quarto passava para outro exatamente igual, cuja porta abria para passar outro exatamente igual, e em seguida para outro exatamente igual, até o infinito. Gostava de ir de quarto em quarto, como numa galeria de espelhos paralelos, até que Prudêncio Aguilar lhe tocava o ombro. Então voltava de quarto em quarto, acordando para trás, percorrendo o caminho inverso e encontrava Prudêncio Aguilar no quarto da realidade. Uma noite, porém, duas semanas depois de o terem levado para a cama, Prudêncio Aguilar tocou-lhe o ombro num quarto intermediário, e ele ficou ali para sempre, pensando que era o quarto real.
No ano em que se completam 4 décadas do lançamento de Cem anos de solidão, releio o livro de García Márquez. O livro é tão avassaladoramente belo que, ao terminá-lo, precisei de alguns meses até passar ao próximo. É como saborear um prato tão divinamente saboroso que precisa-se de alguns dias até a próxima refeição para que o sabor não saia da boca.
A protagonista da trama sem dúvida nenhuma é a cidade de Macondo. Gabo, dizem, inspirou-se em sua cidade natal Aracataca, na Colômbia. É lá que chegam e partem, nascem e morrem incontáveis personagens. Tantos que a edição especial em homenagem aos 40 anos do livro trará a árvore genealógica da Família Buendía. As personalidades antagônicas de José Arcadios e Aurelianos vão se repetindo ao longo de um século em que a saga da família é narrada.
Macondo poderia perfeitamente ser qualquer cidadezinha do Brasil, Paraguai ou Nicarágua. Assim como os Buendía poderiam se chamar Silva, Hernandez ou Gimenez. Ciganos, ianques usurpadores, videntes, prostitutas, virgens, rebeldes, militares e muita gente humilde fazem parte de um universo fantástico e ao mesmo tempo extremamente real e atual. A guerra travada pelo coronel Aureliano Buendía tem início quando um interventor federal chega a Macondo e quer mudar a cor das casas dos moradores. Filho de José Arcádio Buendía, um dos fundadores da cidade, Aureliano rebela-se e inicia o conflito que se estende por décadas ao longo do livro. Progressistas e conservadores guerreiam incansavelmente, mas nenhum dos dois lados jamais chega à vitória. Ao fim, quando representantes do poder federal chegam para negociar a paz, o coronel chega à conclusão que todo o sangue derramado, todas as traições e famílias perdidas durante o conflito tiveram como única e exclusiva causa a sua própria vaidade.
Mas talvez somente o amor faça mais vítimas no livro do que a guerra. Uma inexplicável maldição deixa um rastro cadáveres por onde passa Úrsula, a mulher mais bela do mundo, para que nenhum homem deste planeta se atreva a tentar conquistar seu coração. E Amaranta, igualmente incapaz de amar, passa pela vida intocável por se negar a entregar-se a qualquer pretendente. O maior e verdadeiro amor é o mais proibido. Por mais que sua avó Fernanda del Carpio tentasse impedir, Aureliano Babilônia conhece a tia Amaranta Úrsula e os dois vivem a última – e talvez a mais verdadeira - história de amor que Macondo presencia.
Úrsula Iguarán Buendía, a matriarca da família, é o eixo, o pilar de sustentação do clã. Dizem que viveu mais de 150 anos, mas poucos sabem ao certo. A morte sempre fez parte de sua vida e seu carma foi enterrar marido, filhos, netos, bisnetos... Mas sempre se manteve disposta a receber os hóspedes em sua casa, mesmo em tempos de guerra, quando a cidade era tomada por inimigos dispostos a liquidar sua estirpe. Sua derrocada foi também o início do declínio dos Buendía.
O título do livro remete aos 100 anos entre a chegada de José Arcádio Buendía, Úrsula e os demais fundadores a Macondo, até o dia em que um vendaval de proporções bíblicas varre a cidade do mapa. Apesar dos muitos integrantes da família, a narrativa nos faz enxergar a solidão existente dentro de cada um deles. Mesmo os José Arcadios, tradicionalmente mais expansivos que os Aurelianos, viviam seus momentos de profunda tristeza e desamparo, principalmente às vésperas da morte. José Arcádio II, irmão gêmeo de Aureliano II, enfurnou-se no quarto do cigano Melquíades e de lá não saiu mais depois de presenciar o assassinato de 3 mil pessoas em praça pública pelas tropas federais.
Aureliano Babilônia é quem finalmente desvenda os pergaminhos de Melquíades. Filho bastardo de Renata Remédios com o humilde operário Maurício Babilônia, é feito refém em sua própria casa e só é libertado pelo amor. Com Amaranta Úrsula concebe o último Buendía e vê a profecia do cigano se cumprir: O primeiro da estirpe está amarrado a uma árvore e o último está sendo comido pelas formigas. Então sua reação não é de dor, nem de revolta, mas sim, de resignação ao seu próprio destino. Em meio aos ventos apocalípticos, presencia o fim de Macondo e o seu próprio.
Então deu outro salto para se antecipar às predições e averiguar a data e as circunstâncias de sua morte. Entretanto, antes de chegar ao verso final, já tinha compreendido que não sairia nunca daquele quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no instante em que Aureliano Babilônia acabasse de decifrar os pergaminhos e que tudo o que estava escrito neles era irrepetível desde sempre e por todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra.
No ano em que se completam 4 décadas do lançamento de Cem anos de solidão, releio o livro de García Márquez. O livro é tão avassaladoramente belo que, ao terminá-lo, precisei de alguns meses até passar ao próximo. É como saborear um prato tão divinamente saboroso que precisa-se de alguns dias até a próxima refeição para que o sabor não saia da boca.
A protagonista da trama sem dúvida nenhuma é a cidade de Macondo. Gabo, dizem, inspirou-se em sua cidade natal Aracataca, na Colômbia. É lá que chegam e partem, nascem e morrem incontáveis personagens. Tantos que a edição especial em homenagem aos 40 anos do livro trará a árvore genealógica da Família Buendía. As personalidades antagônicas de José Arcadios e Aurelianos vão se repetindo ao longo de um século em que a saga da família é narrada.
Macondo poderia perfeitamente ser qualquer cidadezinha do Brasil, Paraguai ou Nicarágua. Assim como os Buendía poderiam se chamar Silva, Hernandez ou Gimenez. Ciganos, ianques usurpadores, videntes, prostitutas, virgens, rebeldes, militares e muita gente humilde fazem parte de um universo fantástico e ao mesmo tempo extremamente real e atual. A guerra travada pelo coronel Aureliano Buendía tem início quando um interventor federal chega a Macondo e quer mudar a cor das casas dos moradores. Filho de José Arcádio Buendía, um dos fundadores da cidade, Aureliano rebela-se e inicia o conflito que se estende por décadas ao longo do livro. Progressistas e conservadores guerreiam incansavelmente, mas nenhum dos dois lados jamais chega à vitória. Ao fim, quando representantes do poder federal chegam para negociar a paz, o coronel chega à conclusão que todo o sangue derramado, todas as traições e famílias perdidas durante o conflito tiveram como única e exclusiva causa a sua própria vaidade.
Mas talvez somente o amor faça mais vítimas no livro do que a guerra. Uma inexplicável maldição deixa um rastro cadáveres por onde passa Úrsula, a mulher mais bela do mundo, para que nenhum homem deste planeta se atreva a tentar conquistar seu coração. E Amaranta, igualmente incapaz de amar, passa pela vida intocável por se negar a entregar-se a qualquer pretendente. O maior e verdadeiro amor é o mais proibido. Por mais que sua avó Fernanda del Carpio tentasse impedir, Aureliano Babilônia conhece a tia Amaranta Úrsula e os dois vivem a última – e talvez a mais verdadeira - história de amor que Macondo presencia.
Úrsula Iguarán Buendía, a matriarca da família, é o eixo, o pilar de sustentação do clã. Dizem que viveu mais de 150 anos, mas poucos sabem ao certo. A morte sempre fez parte de sua vida e seu carma foi enterrar marido, filhos, netos, bisnetos... Mas sempre se manteve disposta a receber os hóspedes em sua casa, mesmo em tempos de guerra, quando a cidade era tomada por inimigos dispostos a liquidar sua estirpe. Sua derrocada foi também o início do declínio dos Buendía.
O título do livro remete aos 100 anos entre a chegada de José Arcádio Buendía, Úrsula e os demais fundadores a Macondo, até o dia em que um vendaval de proporções bíblicas varre a cidade do mapa. Apesar dos muitos integrantes da família, a narrativa nos faz enxergar a solidão existente dentro de cada um deles. Mesmo os José Arcadios, tradicionalmente mais expansivos que os Aurelianos, viviam seus momentos de profunda tristeza e desamparo, principalmente às vésperas da morte. José Arcádio II, irmão gêmeo de Aureliano II, enfurnou-se no quarto do cigano Melquíades e de lá não saiu mais depois de presenciar o assassinato de 3 mil pessoas em praça pública pelas tropas federais.
Aureliano Babilônia é quem finalmente desvenda os pergaminhos de Melquíades. Filho bastardo de Renata Remédios com o humilde operário Maurício Babilônia, é feito refém em sua própria casa e só é libertado pelo amor. Com Amaranta Úrsula concebe o último Buendía e vê a profecia do cigano se cumprir: O primeiro da estirpe está amarrado a uma árvore e o último está sendo comido pelas formigas. Então sua reação não é de dor, nem de revolta, mas sim, de resignação ao seu próprio destino. Em meio aos ventos apocalípticos, presencia o fim de Macondo e o seu próprio.
Então deu outro salto para se antecipar às predições e averiguar a data e as circunstâncias de sua morte. Entretanto, antes de chegar ao verso final, já tinha compreendido que não sairia nunca daquele quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no instante em que Aureliano Babilônia acabasse de decifrar os pergaminhos e que tudo o que estava escrito neles era irrepetível desde sempre e por todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário