quarta-feira, dezembro 13, 2006

De Atenas a Acari pela ponte da poligamia


No mesmo dia foi a vez do antropólogo e historiador Marcos Alvito falar sobre A pesquisa como ferramenta de comunicação. Alvito subiu à mesa aplaudido e começou falando sobre a tese de doutorado inconclusa sobre “As mulheres de Atenas”. O acadêmico estava no Mediterrâneo investigando por que na Grécia Antiga, o adultério não era crime em Esparta, mas sim, o era em Atenas. Alvito descobriu que, como Esparta era um Estado belicista, os guerreiros mais poderosos tinham o pleno direito de reivindicar as belas esposas dos cidadãos comuns para se reproduzirem e perpetuarem uma espécie mais forte, continuando assim, a sua prole de guerreiros. Já em Atenas, o adultério era punido severamente. “O Cornudopoulos levava o Ricardopoulos para praça pública completamente nu e com um vegetal de duplo sentido enterrado... aí mesmo onde vocês estão pensando”, relatou.

Mas Alvito desistiu de sua tese no meio do caminho e voltou para o Brasil. Mais especificamente para Acari, Rio de Janeiro. Ele decidira mudar radicalmente o foco de sua pesquisa para os presos da Penitenciária Lemos de Brito, localizada naquele bairro. O resultado deste trabalho está no livro “As cores de Acari”. O pesquisador, entretanto deparou-se com uma similaridade entre a Grécia e Acari. Não, não foi a beligerância dos soldados de Esparta e os traficantes do subúrbio carioca. Mas sim, o tema da poligamia.

Durante oito anos, reinou na favela o super-traficante Jorge Luiz. Ele era considerado um mito por moradores, inimigos e polícia justamente pelo tempo que se manteve no controle do tráfico na comunidade. Ninguém sabia ao certo a origem de seu poder. Lendas inúmeras havia sobre ele e Alvito decidiu investigar. Logo ele, um branquinho da zona sul do Rio de Janeiro e intelectual da Universidade Federal Fluminense. Infiltrara-se na favela e passava os dias observando e fazendo parte do dia-a-dia dos moradores. “No começo, percebi que a minha presença incomodava, aos poucos, passei a ser tolerado até ser completamente aceito por todos”, disse.

Alvito conversava com os moradores, tomava cerveja e jogava bola com os moradores. Ouvia muito falar sobre Jorge Luiz, mas nunca o havia visto. O boato mais comentado era que o traficante tinha 30 filhos de 12 esposas. A imprensa noticiava esses fatos aos quatro ventos quando se referia ao super-bandido, glamourizando o crime e sustentando todo um folclore com certa dose de romantismo por trás de tudo isso. Certa feita, Alvito foi convidado para um churrasco financiado por Jorge Luiz. Lá ele conheceu um amigo muito próximo do meliante que lhe mostrou algumas contas do tráfico de drogas na comunidade: R$ 20 mil eram gastos com os seus supostos filhos. Então quer dizer que os 30 filhos são mesmo dele, perguntou Alvito. Ele nem mesmo tem certeza se metade deles são mesmo seus, mas os sustenta assim mesmo, respondeu.

Foi então que o professor se deu conta da origem de todo o poder de Jorge Luiz. Com 30 filhos, 12 esposas, 12 sogras, algumas dúzias de cunhados, irmãos e primos, o bandido controlava toda a comunidade. Seus “parentes” exerciam o papel de cobradores do tráfico, exigindo as “contribuições” dos moradores e o avisavam quando da chegada da polícia ou de alguma facção inimiga na favela. Alvito, como historiador e antropólogo, saiu-se muito melhor do que todos os repórteres que, em vão, tentaram contar a história de Jorge Luiz, reproduzindo e disseminando ainda mais os mitos existentes em Acari.

Depois de contar essas e outras histórias salpicadas de humor e inteligência, ganhando assim o público, Alvito, entretanto, deixou o auditório da Funarte em maus lençóis. Isso por que, em uma resposta qualquer, declarou-se “não de esquerda, nem de direita, nem de centro, mas sim, um pesquisador”. Em meio a sindicalistas que, minutos antes ouviam o hino da Internacional Socialista, disse que “a esquerda mente tanto ou mais que a direita”, falou mal de Cuba e do regime castrista e ainda chamou Chávez de ditador, provocando burburinhos, pigarros e coçadas incessantes de cabeças na platéia. Ao ouvir suas palavras, uma integrante do corpo diplomático venezuelano levantou-se da poltrona e dirigiu-se até o microfone. Em espanhol mesmo, fez a defesa – apaixonada e igualmente brilhante, por sinal - de seu presidente, de seu regime e da democracia em seu país, terminando aplaudida por todos.

Foi o melhor momento do evento por ter gerado uma inesperada discussão de idéias e um debate entre dois pensamentos antagônicos, coisa que pouco se vê nos grandes veículos de comunicação ou mesmo se viu antes ou depois da palestra de Alvito, no decorrer do evento. Uma pena que o coordenador do NPC, Vitto Gianotti não permitiu a réplica do palestrante convidado, dando por encerrada a discussão nas palavras da consulesa. E, no cd-player, voltou a soar: “De pé, ó vitimas da fome /De pé, famélicos da terra/ Da idéia a chama já consome/ A crosta bruta que a soterra”...

Um comentário:

Anônimo disse...

O que chamou minha atenção neste texto, foi o fato do palestrante ter indignado a platéia com os comentários anti-esquerdistas. Eu acho ótimo que tenham pesquisadores realmente imparciais, apesar de ser de esquerda, acredito que a contradição sempre será necessária na busca de equilíbrio. A questão é que toda discussão política é parcial, lógico. E eu, particularmente, tenho receio de toda paixão desenfreada. Acredito na democracia, mas acho algo muito difícil de ser fielmente praticado. O único meio de viver a liberdade democrata é discutir muito, mas sem medo de ser contradito, sem medo de reconhecer os erros.