sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Rodrigo Quik, o ativista da cultura


Corria o ano de 1982. Em uma remota ilha do Atlântico Sul, tropas argentinas tentam retomar território sob domínio inglês. No Rio de Janeiro, o gaúcho Leonel Brizola sobe ao poder vitorioso em um pleito em que se constatou manobra escusa para tirá-lo a vitória. No cinema estréia E.T., uma das maiores bilheterias da história do cinema, tendo sido o primeiro filme a ultrapassar os 700 milhões de dólares. Na música morrem Elis Regina e Adoniran Barbosa; na literatura, Sérgio Buarque de Holanda. No futebol, a talentosa seleção brasileira de Zico, Sócrates, Falcão e cia é eliminada da Copa da Espanha pelo esforçado escrete comandado por Paolo Rossi.

Alheio a tudo isso, no Edifício Franco Hara Center, na Tijuca, o garoto Edivaldo toma o seu achocolatado Quik todas as manhãs, joga Pac Man em seu Atári, vê as playboys da Tássia Camargo, Vera Fischer, Xuxa Meneghel e sacaneia os moleques menores do seu prédio. Um deles era o dentuço Rodrigo Sampaio Guimarães. Edivaldo então entra para a história em uma tarde quando encontra o pequeno Rodrigo na portaria e, na frente dos outros coleguinhas sentencia: “Aí, esse moleque é a cara do coelho Quik!”. A zombaria é geral. Tanta, que Rodrigo abre o berreiro e corre porta adentro de seu apartamento. Assim, como reza a lenda, quanto mais você se importa com o apelido, mais ele pega, pergunte hoje em dia a qualquer freqüentador de casas noturnas ou bares da Lapa quem é Rodrigo Quik e logo saberão a resposta.

Hoje Quik é o vocalista da bem-sucedida banda Perdidos na Selva - que toca cover dos sucessos brasileiros dos anos 80 – abriu um bar nas esquinas da Rua do Riachuelo com Silvio Romero, na Lapa e trabalha em sua candidatura para vereador em 2008. Artista e ativista multimídia, Quik responde àqueles que o chamam de aventureiro. “Comecei fazendo política estudantil no Pedro II, quando a maioria dos estudantes só queria entrar no grêmio para sair com as meninas”. Participou do movimento dos cara-pintadas, foi secretário de imprensa e presidente da AMES (Associação Municipal dos Estudantes Secundaristas do Rio de Janeiro). “Foi na minha gestão que os estudantes municipais conquistaram o direito ao passe livre”, lembra.

Depois da experiência de líder estudantil, Quik passou 10 anos afastado da política. Em 2004, decidiu candidatar-se a vereador pelo PSB. Obteve exatos 2.399 votos, número admirável para alguém desconhecido da grande maioria da população e sem uma estrutura partidária compatível para tais pretensões. “Em 2008 vou tentar de novo”, garante. Mas, desta vez, afirma estar melhor preparado. “Da primeira vez, não fizemos boca de urna no dia da votação, quando a legislação ainda permitia. Distribuí apenas alguns informativos nos dias que antecederam o pleito e, mesmo assim, tive uma votação que considero razoável. Hoje, tenho uma rede de relacionamentos muito maior e idéias mais claras a apresentar”.

Aos 33 anos, filho de pais de classe média, Quik é, como poucos, um empreendedor e um aglutinador. Consegue reunir pessoas ao seu redor e realizar projetos, como o Festival Ruído, que acontece pelo sexto ano consecutivo na Lapa, após o carnaval. “Certa vez, ouvi de um produtor de uma gravadora me dizer ‘se você quer tocar em um festival e não te chamam, faça o seu próprio festival’. Então criei o Ruído”. Quik tem estreita ligação com a música independente carioca recente. Foi um dos Suínos Tesudos e também vocalista do Narjara, nome que homenageava a então vendedora de cocos de Copacabana. Foi então que deslanchou com o Perdidos. “Sei que não vamos tocar em rádios, pois não pagamos jabá e só tocamos música dos outros, mas já chegamos muito além do que imaginávamos no início”. Ele lembra quando, no ano passado, a banda foi convidada a tocar em Manaus, onde se hospedou em um hotel cinco estrelas, com direito a passagem aérea paga e camarim com tudo do bom e do melhor “No início nem sonhávamos com algo assim”.

Recentemente, o grupo também gravou um dvd ao vivo em um Canecão lotado, com diversas participações especiais. Em 2007, a banda completa seis anos de estrada. Sobre o futuro da banda, Quik é otimista. “Eu sempre acreditei que a maioria das bandas dura, em média, dois anos e meio. Se já chegamos até aqui, não quero parar mais”. E planeja: “Acredito que existe um ciclo de nostalgia a cada 20 anos. Na próxima década, podemos tocar músicas que foram sucesso nos anos 90, como O Rappa e Los Hermanos, que fizeram, para mim, os dois melhores discos dos últimos dez anos: Lado B Lado A e Ventura”. Mas ele também tem planos de realização individuais: “Quero fazer um disco solo para tocar um rock-pop-light, pois sou um cara careta”.

Em meados de 2006, Quik estava em seu recém-inaugurado bar quando duas pessoas desceram de um ônibus e foram ter com ele. Você é o Rodrigo Quik, não é, perguntaram. Sou, respondeu. Queremos te convidar para ser diretor artístico da Estudantina. Topo, disse, sem titubear. “A proposta era ótima. A casa fica na região central do Rio, onde eu conheço muito bem e tem um porte médio, coisa que, depois do fechamento do Ballroom, o Rio ficou carente”. Dois meses e meio depois, a parceria se desfez. “Do ponto de vista artístico, até que não houve desavenças, mas todas as demais cláusulas do contrato foram descumpridas”, afirma visivelmente irritado. “Já consultei o meu advogado e vou processá-los. Neste meio, todos se conhecem e é a minha credibilidade que está em jogo. Todos sabem que eu sou um cara honesto e que não gosto que me passem para trás. As pessoas não podem sacanear os outros e ficar por isso mesmo”, desabafa.

“Quero criar um blog só de reclamações. Todos dizem que sou muito resmungão”. E a indignação de Quik tem alvo certeiro. Ele se diz enfadado da isenção da classe média no cenário político. “A classe média é a primeira a poder mudar, mas a primeira também a se isentar disso. A maneira de protesto preferida deste segmento é pregar o voto nulo. Como mudar desse jeito?”. E dispara ainda contra a classe artística. “Em 2004 foram realizadas alguns debates no (Teatro) Sérgio Porto com o Miguel Falabella e o Gil, em que antes, muito se ouvia dos artistas que iriam fazer e acontecer. Mas na hora, o que se viu foi muita bajulação e pedidos de ajuda financeira. Esta é a realidade da classe: o pires na mão”.

Na sua visão, as causas dos problemas no Rio são históricas. “O Rio hoje vive todas as mazelas de ex-capital federal: a lógica de acomodação dos funcionários públicos e ainda a mania de se achar malandro, mais esperto que os outros. E assim, vamos ficando para trás”. E quais os instrumentos de transformação? “A grande transformadora hoje em dia é a TV Globo. E quem está errado nisso não é ela, empresa privada que visa o lucro, mas sim o poder público. Ao invés de ele servir como alternativa ao capital privado, ele se alia”. E lembra um fato recente para exemplificar: “Sabe como prenderam o menino que matou a socialite no Leblon? Cortaram a tv a gato dos moradores da Cruzada. Em poucas horas os próprios vizinhos entregaram o garoto”.

E Quik vai além da esfera municipal. “Acredito que só mesmo estando dentro do sistema é possível se mudar alguma coisa. Precisamos de uma reforma política urgente com voto em lista. Temos que deixar de votar em nomes para votarmos em idéias”. Sobre as últimas eleições, analisa: “Não vejo uma renovação muito grande. Foi mais uma mudança de nomes do que de idéias. Na Alerj, o Freixo foi eleito pelo belo papel realizado pelo PSOL, e na Câmara Federal, a Manuela D’ávila, pelo nome que ela construiu no Rio Grande do Sul. Em compensação, tivemos o ACM Neto. Ele é jovem, mas suas idéias são as mais conservadoras possíveis”. Sobre o fim da cláusula de barreira, ele lamenta: “Deveria existir uma maneira de preservar os partidos ideológicos e eliminar apenas aqueles que sobrevivem do fisiologismo”.

O ativismo cultural levou Quik a criar o Manifesto da Cultura Independente Carioca (MCIC), que pode ser acessado pelo endereço http://www.manifestocarioca.blogger.com.br/. Lá Quik solta o verbo contra as políticas públicas de cultura e de lazer, como o fechamento de casas como o já citado Ballroom, Teatro de Lona, Lagoinha e Quinta do Bosque; os projetos dos quiosques de Copacabana, todos realizados pelo escritório do arquiteto Índio da Costa, braço direito do prefeito César Maia; a reforma do Teatro Sérgio Porto, realizada pelo ad eternun secretário municipal de Cultura, Ricardo Macieira; e a administração das lonas culturais. “No papel é um projeto revolucionário. Mas na prática, nada acontece. Tudo é privatizado, a programação é elitizada, os artistas locais não conseguem mostrar o seu trabalho e os ingressos são caríssimos”.

A indignação fez Quik voltar à política. Quatro anos depois de sua primeira eleição para a Câmara dos Vereadores, agora ele garante estar mais preparado. Filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), Quik agora está à frente de um grupo de trabalho que pretende se destacar pela ética e vontade política. “Ética não pode ser qualidade, tem que ser pré-requisito. Além disso, estamos reunindo gente que, mesmo sem ter histórico político-partidário, está inconformada com o que está aí e quer trabalhar para mudar”. O grupo é formado por formadores de opinião e lideranças regionais de municípios fluminenses das mais diversas áreas como saúde, segurança, sindicatos, mas basicamente – é claro – da área cultural. “Queremos levantar discussões e propor soluções que representem todas as áreas e todas as localidades que estiverem aqui representadas e ainda trazer mais gente para dialogar com a gente. Assim é que se faz política, através da representação e da participação”.

2 comentários:

Anônimo disse...

Tai, a cultura engajada é um caminho para a criação de um olhar mais crítico. Aquele que escolhe o que ler, o que assistir, em quem votar...

Anônimo disse...

Esta "boazinha" aí da foto deve ser daquelas que o cara dá um passo pra frente e dois pra trás.

hahahaha...