quarta-feira, janeiro 31, 2007

Prontos para amar o Grande Irmão II


ou O que de melhor poderia ter sido da tragédia mas não foi

Prédio da editora Abril não foi afetado por desabamento de obra no metrô paulista.

Ao contrário do que chegou a ser veiculado por alguns órgãos de imprensa, o prédio da Editora Abril, localizado na Marginal Pinheiros, em São Paulo, não sofreu qualquer abalo estrutural com o desabamento de uma parte da obra de expansão do metrô, próximo ao edifício, na tarde da sexta-feira (12/01).

Em nota distribuída à imprensa, a Abril informa que o expediente na empresa continuou normal, sem nenhuma evacuação ou procedimento especial.

A notícia reproduzida acima foi publicada no dia 12/01 no website Comunique-se. Todos entendem que o veículo é dirigido a profissionais de comunicação social. Contudo, soa um tanto patético, para não dizer cruel, relatar que as estruturas de um prédio não foram abaladas e não destinar sequer uma linha para lembrar o que foi a tragédia em que sete pessoas perderam a vida, pelo menos cinco funcionários que trabalhavam no local ficaram feridos e algumas dezenas de moradores das cercanias tiveram suas casas destruídas. Chamar de corporativismo talvez seja pouco. Negligência, bobagem.

Honestamente, creio que perdemos a melhor oportunidade de termos nos livrado do império dos Civita. Estamos falando de uma editora transnacional, trazida para o Brasil em 1950 por Victor Civita, nascido nos Estados Unidos, filho de comerciantes italianos. Antes de abrir a empresa, Victor tentou a vida em outros ramos do comércio nos EUA e Europa. Foi quando viajou à Argentina para encontrar seu irmão César que, em 1940, fundara a Editora Abril e, através da licença de Walt Disney, passara a publicar as histórias do Pato Donald em terras platinas. Em pleno regime peronista, nem o governo nem o intelectualizado povo argentino gostaram daquela história. E assim, César e Victor decidiram se mudar para o Brasil, terra – como sabemos - de excelentes oportunidades para quem tem US$ 500 mil em recursos próprios e bom trânsito entre grupos internacionais.

Como num regime monárquico, Victor, falecido em 1990, passou o trono ao filho Roberto, que manteve a linha editorial conservadora da empresa. Ainda hoje, 30% de suas ações pertencem ao grupo Naspers, que financiou o Apartheid na África do Sul e teve três de seus representantes como ministros de governo no período em que Nelson Mandela esteve preso.

Em 56 anos de existência a Editora Abril, através da Revista Veja e de outras publicações: apoiou o golpe de 64 e a manutenção do regime militar (embora diga que não); foi contra o movimento das Diretas Já; apoiou o então candidato Fernando Collor de Mello; combateu desde sempre todos os movimentos de origem popular, como o MST tratando os trabalhadores sem-terra como uma cambada de vagabundos arruaceiros; estimulou o preconceito contra homossexuais como quando publicou a capa “O poeta agoniza em praça pública”, sobre Cazuza, combateu ad eternun Lula e todos os candidatos de esquerda neste país; incentivou a indústria bélica e a violência com a capa “7 razões para votar não”, quando do plebiscito sobre o desarmamento, esquecendo-se de todos os princípios de objetividade e imparcialidade que prega o bom jornalismo e, deslavadamente, ignorando o direito de opinião do leitor; e estimulou a isenção na participação política com o movimento do voto nulo através de vinhetas na programação de sua emissora de televisão voltada para o público jovem, MTV.

Sinceramente, salvando-se a vida das centenas de colegas jornalistas e demais funcionários que - sem muitas opções no espremido mercado de trabalho jornalístico - dão duro todos os dias e ajudam a disseminar nos seus milhões de leitores o pensamento fascista, ultra-conservador e preconceituoso de seus sócios, o povo brasileiro só teria a ganhar se o prédio da Av. das Nações Unidas tivesse sido engolido pela cratera do metrô.

terça-feira, janeiro 30, 2007

Esclarecimento

Comunicamos que não publicaremos neste blog comentários anônimos, de caráter denunciativo, dirigidos levianamente a qualquer profissional, independentemente de sua tendência ideológica.

Ciço Pereira.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Prontos para amar o Grande Irmão

Raras são as exceções de veículos de comunicação realmente independentes em nosso país. Dizem-se em busca das tais “objetividade e da imparcialidade” inexistentes neste ofício, quando o que fazem no fundo é defender a continuidade de um modelo mundial hegemônico de pensar e agir. Enquanto empresas privadas que visam o lucro, tudo o que fazem é garantir o pão deles de cada dia. Deles, entenda-se, dos proprietários e dos anunciantes desses veículos.

A distorção da informação começa nos bancos escolares, com currículos cada vez mais técnicos, com pouca ou nenhuma ênfase nas ciências humanas. Formam-se assim, profissionais quase que totalmente desprovidos de massa crítica, buscando apenas garantir o pagamento de suas contas e aquisições de seus luxos supérfluos pequeno-burgueses. Esquecemo-nos – não posso me excluir da classe, é óbvio - portanto, de nosso juramento: “Juro diante de Deus e dos homens exercer minha profissão com dignidade, jamais esquecendo que antes dos números, virão as pessoas que buscam o amor, a paz e a sabedoria. Juro em nome dos jornalistas e do Brasil, honrar sempre os preceitos da Ética, da Verdade e da Justiça".

“Liberdade de imprensa só existe para os donos de jornal”, já dizia o saudoso mestre Cláudio Abramo.

A manipulação continua quando o foca entra em sua primeira redação, cheia de normas e regras bem determinadas nos manuais de redação. Assim, vai se acostumando às foices do ofício que não variam muito de empresa para empresa, e cria assim, a auto-censura: pronto, agora ele já está apto para amar o Grande Irmão, como o lobomizado Winston Smith, ao final do genial 1984 de George Orwell. Neste estágio soa como incrível ingenuidade acreditar que uma imprensa consciente, aguerrida e questionadora é fundamental para a construção de um país livre, democrático e soberano: “Quão tolos sois vós, que quereis mudar o mundo!”, sentenciarão.

Mas, para não dizer que não falei das flores, reproduzo aqui duas notas publicada em janeiro de 2007 na revista Caros Amigos – honrosa exceção que confirma a regra de que a nossa imprensa não presta - na coluna Entrelinhas, de Hamilton Octávio de Souza:

Tratamento diferenciado

Jornais e revistas deram grande destaque e gastaram muitas páginas para denunciar os atrasos nos vôos comerciais e os prejuízos causados pelos usuários. Em alguns momentos, o assunto foi tratado como sendo um caso de segurança nacional. Os mesmos veículos de comunicação silenciam ou tratam sem importância a crise permanente dos transportes públicos nas principais cidades, onde milhões de trabalhadores perdem inúmeras horas diariamente devido à precariedade dos serviços prestados. Cadê a imprensa?

Comunicação Alternativa

Crescem em todo o país os movimentos e as manifestações em defesa da democratização da comunicação social. O Brasil precisa urgente de canais públicos de rádio e televisão, que expressem livremente as opiniões populares e o pensamento divergente do que é veiculado pelos oligopólios privados e pelos esquemas estatais. Chega de sufoco!

O Manifesto Plural, do alto de sua profunda tolice e ingenuidade, embarca na empreitada de mudar o mundo. Ciço Pereira, seus atuais e futuros colaboradores crêem piamente que é possível, sim, mudar a mentalidade de um país e de um povo com coragem para dar educação e informação de qualidade!

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Yarssan, o homem que veio da luz

Até os seis meses de idade não tinha nome. Chamavam-no bebezinho, menininho, criancinha. Até que, passando por uma venda de produtos árabes, quis saber o comerciante se anônimo assim ainda o era. Sim, responderam os pais. Chamem-no Yarssan, replicou o mouro. Bonito, mas não sei o que quer dizer, disse-lhe o progenitor, também descendente das terras das mil e uma noites. O homem que veio da luz, revelou o comerciante. E assim foi feito.

Cresceu no Rio de Janeiro. Morador de Santa Teresa, Yarssan e a irmã brincavam de pés descalços no asfalto das ladeiras do bairro. Soltavam pipa com os moleques do Cerro-Corá, favela vizinha à sua casa. O pai trabalhava em televisão e era chegado às noitadas e aos bares. Deslumbrou-se com os desacertos e o glamour do showbiz. Quando Yarssan completou 12 anos, sua mãe foi embora rumo à Brasília com os dois filhos. Lá se casou de novo com o homem que os pequenos aprenderam a chamar de pai até que este viesse a falecer. E foi no Planalto Central que Yarssan aprendeu a malandrear e a gostar de mulher. Criou sua identidade, fez amigos e tornou-se homem.

Aos 17, Yarssan resolveu sair de casa e acertar as contas com o pai. Viajou para Florianópolis, onde o progenitor estava vivendo. Encontrou uma figura mais passível de pena que de ódio. Desgastado pelo tempo, pelos excessos, passava os dias contando os feitos do passado para contentar-se com o emprego que lhe arranjaram em uma emissora local. Pela precariedade de suas antenas, o trabalho dos funcionários mal podia ser assistido a algumas dezenas de quilômetros dali. O velho mineiro casara-se com uma prima e residia em uma casinha de quarto e sala nos fundos de um salão de cabeleireiros em um bairro de classe média da capital catarinense. Yarssan chegou para viver ali, mas não ficou muito tempo. Incomodou-se com o jeito invasivo e maledicente da madrasta. Fazia intrigas entre ele e o pai, acreditando que assim não perderia a autoridade dentro da casa.

Assim, o jovem foi viver em uma morada de estudantes ali próximo. Bairro universitário, muitos alunos da UFSC vindos de cidades longínquas se reuniam em espécies de repúblicas e ali constituíam uma espécie de comunidade. Para viver, Yarssan foi trabalhar como vendedor de cartões de uma loja de departamentos. Passava os dias debaixo do sol, da chuva e, por vezes, do frio, abordando pessoas nas ruas e convencendo-as a “fidelizarem-se” à determinada loja. Saiu-se até bem na tarefa. Com o jeitinho malandro-conquistador, ganhava a confiança com o sorriso no canto dos lábios, os ombros sacolejantes e o olhar de esguelha. Saldo: muitas garotas, muitos amigos e alguns clientes para a loja.

Observando o estudo dos amigos de república, animou-se a estudar e também ingressar no mundo universitário. Como já freqüentava o refeitório da UFSC que servia bandejões à comunidade por módicos R$1,50, passou a visitar ainda a biblioteca da instituição onde ia às tardes depois de largou o emprego de “fidelizador”. Dedicou-se e foi aprovado para o curso de História no segundo semestre de 2004. Raspou a cabeça e foi passar uns tempos em Porto Alegre, onde a mãe estava vivendo àquela altura.

Seis meses depois retornou a Floripa onde começaria os estudos. Encantou-se com as chopadas, as meninas lindas que por ali passavam e passavam por ele. Namorou quem tinha para namorar e quem não tinha também. Não perdia uma chance de viver novas experiências e provar novos amores. Foi assim, se jogando na vida, um autêntico romântico por formação e por vivência. Atraía pessoas em torno dele por seu brilho no olhar, sua fome de viver, sua fé em si mesmo. Mas também buscou nos livros o conhecimento. Na república em que vivia, seu quarto não havia grande coisa. O colchão de solteiro estendido no chão, a meia dúzia de roupa que possuía empilhada em um canto e outra meia dúzia de livros empilhada em cima do criado-mudo recém-doado por outrem. Quando não estava na companhia das namoradas e dos amigos, recolhia-se ali e lia. Em pouco tempo, arranjou estágio na biblioteca da universidade, onde podia ler não só por prazer, como também por ofício.

Perdi contato com esta figura fascinante em maio de 2005, quando deixei o balneário hedonista. Yarssan acabara de amancebar-se com uma amiga dos tempos de Brasília e mudara-se para uma casa na Praia da Armação, recanto de surfistas, hippies e pessoas que querem mesmo ver o mundo de longe (bem fazem eles!). Mas, tempos depois, soube que desfizera o casamento e voltou a viver com a mãe e a irmã que haviam ido morar na cidade ao seu encontro. A irmã levava um filho na barriga e, mesmo com as dificuldades, todos estavam exultantes com a chegada do rebento.

Uma das últimas vezes que estivemos juntos foi no Fórum Social Mundial, em janeiro de 2005, em Porto Alegre, no interior do estádio Gigantinho, às margens do Rio Guaíba. Lá estavam Yarssan e alguns amigos de faculdade espremidos na arquibancada para assistir Hugo Cháves, com sua inconfundível camisa vermelho-sangue, falar por mais de quatro horas sobre “o sonho de uma América Latina unida, um dia ideal de Simon Bolívar”, e “contra o pensamento único globalizante plantado pelos norte-americanos e propagado pelos grandes oligopólios de comunicação do planeta”. Recentemente recebi uma carta dele, enviada a alguns poucos amigos. Nela, Yarssan contava que trancara o curso de História e deixara Floripa para aventurar-se pela América Latina. Como um Ernesto Guevara do século XXI, viajara com pouco dinheiro, mas muitos sonhos. Não foi com nenhuma Poderosa, mas sim, de carona, sozinho, crendo-se invulnerável.

A primeira parada fora justamente em Caracas, onde assistira à posse do líder venezuelano para seu terceiro mandato à frente do país. De maneira extremamente lúcida e madura para um jovem de apenas 20 anos, faz um relato do que viu nos dias que antecederam e nos posteriores ao pleito. Sem pudores de declarar sua admiração por Cháves, mas também sem perder o senso crítico de um historiador em formação, fala dos erros e acertos de seu governo que pôde perceber enquanto turista brasileiro, mas profundamente interessado no passado, presente e futuro daquele país e daquele povo. Pois sabe que ele, cidadão sul-americano assim como eu e você, caro leitor, também é parte integrante deste processo histórico.

Eis a carta: Eleições 3 de dezembro, Caracas, Venezuela


Escrevo sobre aquilo que venho observando e participando, desde setembro de 2006. Trato aqui do processo eleitoral, dentro do qual as únicas posições em debate eram por Chávez ou contra ele. Sou brasileiro e estou há pouco tempo por aqui, portanto, não vivi as transformações que o presidente venezuelano tanto proclama, de forma que me permita fazer juízo sobre o período de 7 anos do Governo "revolucionário Bolivariano". Lanço, então, algumas conversas, impressões e paixões com as quais tive contato, sem ocultar minha simpatia por este povo e governo.

Chego a essa data, 07/12/06, com um certo alívio, diante de tanta especulação sobre o desfecho das eleições. Fantasias e terrorismo que tentavam definir o voto desta gente. Aconselharam-me a estocar comida, coisa que muita, mas muita gente fez. As prateleiras dos grandes e pequenos mercados ficaram vazias na semana que antecedia o sufrágio. O que mais se questionava não era o resultado das urnas, pois esse parecia pré-anunciado pela clareza que tem o povo deste país, expresso no orgulho de vestir vermelho. O que nos deixava apreensivos era a seqüência dos fatos, o dia seguinte. Diante do trauma do golpe de 11 de abril, anunciava-se a possibilidade, quase viva nos discursos da oposição, de um não reconhecimento do resultado das urnas. Esta negação transbordaria em violência, diante de tamanha paixão que move a política por aqui. A oposição declamava aos 7 ventos que, caso ganhassem, a violência não seria uma possibilidade, mas sim uma certeza. 30% deste país está diretamente envolvido com o governo, seja através das missões ou pelos conselhos comunitários, não estando disposta a abrir mão dos avanços populares desses últimos sete anos.

Pra quem não sabe, existe oposição na Venezuela, com todos os direitos e liberdades políticas. Com direito a todo cinismo e velho estilo das oligarquias Latino Americanas. Seu principal candidato era Manuel Rosales, mas é bom assinalar que eram quase 30 candidatos, ao todo. Seu discurso era pronunciadamente à classe média, com o lema de "ABAJO Y A LA DERECHA" ou "ATRÉVETE A CAMBIAR". Sua principal proposta era um cartão de débito chamado "MI NEGRA", que já começou a ser entregue a seus eleitores antes das eleições e que, segundo a proposta, seria dado a 2.500.000 de famílias venezuelanas. Isso significa, no mínimo, 7.500.000 de pessoas, sendo que a Venezuela tem 25.000.000 de habitantes, ou seja, quase um terço de sua população seria beneficiada. Para essas famílias seria transferida, diretamente, uma quinta parte da renda petroleira venezuelana, que corresponderia de R$ 600 a 1000 para cada uma (e a Globo nos diz que é Chávez o populista mór da AL). Sua outra proposta era o incremento da segurança e defesa da propriedade privada, junto com a qual sempre vinha a foto de um menino de rua. Chávez dizia, para fechar seu programa eleitoral, que os venezuelanos deveriam votar com AMOR, o que Manuel Rosales rebatia dizendo que o AMOR PODE MATAR, que também virou um lema seu.

Tive a oportunidade de ver Chávez falando e de perceber a paixão ele move nas pessoas. Em todas as oportunidades que o povo tem de ouvi-lo, um mar vermelho toma conta da cidade. As pessoas levam quadros que talharam em madeira, cartas pessoais ao seu "Comandante", que é como o chamam. Vão em comunidade, em família ou sozinhas. Não são poucos os barbados que aprenderam a chorar por outro homem. Questiono-me sobre tanta adoração, fico a pensar sobre todas aquelas categorias depreciativas com que nos enchem a mídia brasileira, como messiânico ou populista. Pessoas humildes me falam, então, sobre o papel unificador que tem seu líder, que conseguiu sentar em uma mesma mesa campesinos, estudantes, marxistas, esquerdistas, velhos e jovens, homens e mulheres para discutir e construir o que hoje chamam CHAVISMO. Mas sempre me alertam de que o objetivo, e isso não pode depender de uma só pessoa, é o SOCIALISMO do séc. XXI para Venezuela e América Latina.

Através dos conselhos comunitários e de sua nova Constituição, a Venezuela pretende transformar sua fórmula democrática, que deixaria de ser representativa, para transformar-se em participativa e protagônica. Tenho visto muito êxito nos bairros e favelas, mas este ainda vai ser um processo longo e cheio de contradições. Por hora, o que se vê é mesmo o vazio de um sistema eleitoral, onde as diferenças são expressas com desperdício de papel e dinheiro, onde o que mais se cria é lixo, visto que tanta publicidade perde todo o sentido de um dia para o outro (a não ser para mim e para alguns amigos a quem me dirijo, futuros historiadores e colecionadores de cacarecos). Opiniões distintas nos tornam inimigos e o encontro entre VERMELHOS e AZUIS é brindado com gritos e surdez. Quando será que o maior dia de expressão política será aquele em que nos sentaremos para criar e crescer, coletiva e individualmente? Quando seremos coerentes para entender que fazer política é Cuidar do outro, da nossa comunidade, cidade, país e principalmente do nosso Meio Ambiente? Para isso teríamos que ter igualdade de oportunidades, enquanto não, segue a resistência.

Chávez ganhou com 63% dos votos. Este número representa pouco, o que mais me salta aos olhos é ver tanta gente entrando nas muitas universidades criadas, ver os conselhos comunitários transferindo o protagonismo para os bairros e indivíduos comuns. Ver as missões alimentando o povo com comida e cultura, todas realizações desse governo . É maravilhoso presenciar o despertar dessa sociedade, que há tanto adormecia no leito de uma cultura petroleira. Cheia de ilusões de riqueza que viria de um óleo, que lhes escorria aos dedos, para transformar-se em ouro no bolso alheio.

VIVA AMÉRICA LATINA, QUE SEJA DIGNA E SOBERANA!

Yarssan Dambrós

O sonho de Orieta

Sonhei que sobrevoava a cidade. É bom observar os lugares a distância. A beleza dos monumentos e construções é algo de tirar o ar. Sabe uma sensação de ter poucos olhos diante de algo muito bonito?

Fiquei voando sozinha e observando as pessoas voltando pra casa. E vi os carros, aqui são muitos, retornando todos ao mesmo tempo. Uma fila interminável no sentido contrário ao maior monumento da cidade: dois prédios muito altos, com duas conchas aos pés, uma côncava e a outra convexa. É aquele prédio, que alguns chamam, cinicamente, de “A Casa do Povo”. Ah, se você pudesse ver como essa casa é diferente das verdadeiras casas do povo. É muita pretensão em forma de concreto e beleza arquitetônica. Impossível não pensar nos universos áridos do nordeste, nos barracos das favelas, nos viadutos transformados em lar.

Nesse momento quase caio e percebo que devo me concentrar mais, pra não “perder” meu vôo. Já anoiteceu e o movimento de carros é bem menor. Agora está quase tudo deserto. Vejo, ao lado da “Casa do Povo”, outra construção, menor, porém não menos imponente. Essa eles chamam de “Palácio”. Como se ali vivessem um príncipe e uma princesa...

E aconteceu algo que só é possível nos sonhos. Consegui ultrapassar o concreto, driblando os guardas e me vi dentro do “Palácio”. Estava quase completamente escuro, só uma sala ainda permanecia com a luz acesa. Imaginei ser a sala do trono, porque os móveis, todos em madeira nobre e escura, transpiravam tradição. Havia um homem sentado diante da maior mesa, numa cadeira enorme (seria o trono?). Não parecia um príncipe. Seus cabelos não eram lisos e louros e pude observar que entre seus dedos entrelaçados, em que apoiava a cabeça, faltava um. Ele estava muito compenetrado, os olhos distantes, fixos, brilhavam muito. Não me parecia feliz. Como queria penetrar seus pensamentos! Fui tomada de um sentimento de solidão incrível. Não me lembro de ter me sentido assim nem em meus piores momentos. Mas o sentimento não era meu, era dele. Daquele homem sentado, solitário e distante.

Acordei assustada e chorando...

O que acontece na nossa vida que nos distancia tanto de quem verdadeiramente somos? Em que ponto ficaram os sentimentos sinceros, quem roubaram nossas risadas espontâneas? Porque nossas maiores crueldades não são ainda acertar pássaros com estilingue, furar pneu de carro, beliscar escondido o irmão caçula? E os nossos sonhos de salvar o mundo, onde estão? Porque somos tão fracos...

Aqueles olhos...aqueles olhos não me saem da cabeça. Olhos de criança no rosto meio envelhecido daquele homem.

A sensação de solidão que sinto agora é minha. Se lá era um palácio, e ele o Rei, nosso Rei estava triste e com medo.

E agora?



Orieta Valentim