Havana Vieja, Havana, Cuba
Vamos chamá-la Soledad. Professora de Espanhol para estrangeiros da Universidade de Havana, tem como método didático levar os alunos a conhecer mais do que a sala de aula. Além de lições acerca da sintaxe da língua de Cervantes, Soledad inicia os incautos estrangeiros nos costumes do povo caribenho. Ao final de duas, três ou quatro semanas, os turistas vão-se de Cuba sabendo também por que o Tocoro é o pássaro-símbolo do país, a Palma Real, a árvore que representa os cubanos e o que significam a estrela e as cores na bandeira nacional.
A professora estimula-os ainda a pesquisar nas diversas bibliotecas públicas espelhadas por Havana a origem da música cubana, a forma como são confeccionados os charutos Cohiba e a obra dos heróis nacionais como José Martí, Che Guevara e Camilo Cienfuegos. As aulas de Soledad incluem ainda visitas guiadas a templos de Santeria e ao Museo do Ron, com direito a dose para degustação.
Para um jornalista entrar em Cuba, o melhor é com o visto de turista. Brasileiros costumam se identificar com a cultura do povo hospitaleiro, festeiro e solidário. É verdade que muitas vezes é preciso desvencilhar-se de um ou outro aproveitador que pede dinheiro, oferece charutos, bebidas ou uma chica pelas ruas. São os chamados jineteros, uma versão caribenha dos malandros da Lapa de meio século atrás. Este fenômeno apareceu na década de 90 e só vem crescendo ao longo dos anos com a chegada cada vez maior dos turistas ao país. As autoridades tentam combatê-lo como podem, evitando que estrangeiros andem com nativos pelas ruas. Quando isto acontece, logo a polícia intervém. Pode chegar a US$ 100 a multa aplicada ao dono da casa se um cubano não-residente for encontrado em um local que receba turistas.
Mas Soledad, como professora universitária, tem permissão para acompanhar seus alunos onde quiser. E assim, ela vai com o grupo à Igreja de Regla - nome da Santa que representa Yemanjá no catolicismo em Cuba – ao já mencionado Museo do Ron, ao Estádio Olímpico de Havana, onde foram realizados os Jogos Pan-Americanos de 1991, ao Parque Ecológico de Las Terrazas, localizado em uma província próxima de Havana, e até ensina a preparar mojitos e a bailar salsa.
Fora da sala de aula, Soledad exerce outra atividade. Preside um dos CDRs (Comitê de Defensa de la Revolución) de Cojimar, município próximo a Havana. Sua função é observar o que acontece à volta de sua casa e avisar a membros de escalões superiores do governo, caso algo possa “ameaçar a Revolução”. No passado, Soledad esteve também em Angola integrando as tropas cubanas enviadas a defender o regime socialista no país africano.
Los Cinco
Mais recentemente, criou o Comitê de Solidariedade aos Cinco Heróis Cubanos da Universidade de Havana. “Los cinco heroes cubanos”, como são conhecidos por toda Cuba e na maior parte de Miami, são os agentes do governo cubano infiltrados René Gonzalez, Gerardo Hernandez, Ramón Labanino, Fernando Gonzalez e Antonio Guerrero, presos nos Estados Unidos desde 1998 acusados de espionagem. O assunto veio à tona quando um aluno norte-americano perguntou a respeito do caso em uma das aulas. Soledad incentivou os estudantes a pesquisar sobre o tema. No dia seguinte, não apenas os alunos voltaram com as informações acerca do caso, como haviam conseguido também o endereço de correspondência das prisões onde os cinco se encontravam. A partir daí, deu-se início a uma série de cartas trocadas entre a professora e os cinco heróis.
Antonio, Gerardo, Ramón, Fernando e René cumpriam missão pelo governo cubano quando foram presos. Dois deles foram condenados à prisão perpétua, os outros a penas que vão de 25 a 30 anos de reclusão. O governo norte-americano nega o visto às suas famílias para que possam visitá-los. Advogados de defesa conseguiram na Justiça de Atlanta a anulação do julgamento, baseado na falta de provas para a condenação, mas até hoje (outubro de 2006) eles não foram libertados. "O que caracteriza um caso de seqüestro", acusa Soledad. O caso completou oito anos no dia 6 de outubro e coincide com a data de aniversário do atentado contra civis em Barbados, tramado pelo maior financiador do terrorismo em Cuba, Luis Posada Carriles. (Em 1976, quando um avião da Cubana Aviación com 73 passageiros explodiu em pleno ar. Mais infos: www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=24748.
Os cinco estavam nos EUA para investigar a ação de grupos terroristas que desde o triunfo da Revolução Socialista na Ilha, em 1959, atuam em Cuba. Com a ascensão ao poder do comandante-em-chefe Fidel Castro, os milionários cubanos deixaram o país rumo a Miami, fugindo do confisco dos bens pelo Estado. Desde então, cubanos dissidentes e outros latinos contrários ao governo castrista, promovem atentados com o intuito de desestabilizar o regime socialista. Os financiadores desses atos são conhecidos, como os descendentes da Família Bacardi, famosa marca de rum em todo o mundo, mas que – obviamente – não é consumida em Cuba, Luis Posada Carriles e o também terrorista Orlando Bosch. Carriles, inclusive, está sendo alvo de uma disputa entre os governos cubano e estadunidense. Enquanto Fidel pede a sua extradição para a Venezuela, Bush insiste a dar-lhe guarida.
Carriles chegou a ser preso no Panamá após planejar um atentado para assassinar Fidel quando o comandante visitava aquele país. O terrorista e outros dois comparsas foram presos, porém a presidente panamenha Mirella Moscoso concedeu-lhes perdão e permitiu que os três se evadissem para os EUA. O desarme desta operação só foi possível graças ao trabalho de agentes servidores do governo cubano, entre eles, los cinco. Porém, em 1998, uma série de explosões simultâneas em hotéis, restaurantes – como a famosa Bodeguita del Médio - e pontos turísticos, resultou na morte de um italiano. A imprensa internacional divulgou o episódio como de autoria de cubanos insatisfeitos com o governo, dando a entender que o país vivia um clima de guerra civil.
O Comitê de Solidariedade, do qual a acadêmica faz parte, tem representantes em todo o mundo. "O trabalho consiste em divulgar a injustiça que esses cinco heróis vêm sofrendo durante esses sete anos", esclarece. "Enviamos e-mails para todas as partes do mundo e, hoje, já temos representantes na Inglaterra, Canadá, EUA, Alemanha, entre outros, onde são organizadas manifestações em favor da liberdade deles", acrescenta. "O Mais importante é que o mundo inteiro se mobilize", finaliza. Entre aqueles que já assinaram menções de repúdio à prisão dos cinco cubanos estão ninguém menos do que o professor e autor norte-americano Noam Chomsky, a vencedora do Prêmio Nobel da Paz de da Paz de 1992, a guatemalteca Rigoberta Menchu, a escritora sul-africana, Nadine Gordimer, e o bispo da Arquidiocese de Detroit, Thomas J. Gumbleton. Soledad relata dois casos em que foi abordada nas ruas de Madrid, quando lecionava na Espanha, por membros do comitê espanhol. "O governo de Cuba tem simpatizantes por toda a parte e não são apenas cubanos", revela. (Mais informações no site http://www.antiterroristas.cu/ ).
Roberto Carlos e Nelson Ned
Mas, como todos os cubanos, a professora também sofre com os problemas financeiros que o país atravessa. Depois da queda da União Soviética, Cuba passou a viver quase que prioritariamente do turismo como sua principal atividade econômica. E, o que sustenta o país, pode acabar destruindo a mentalidade socialista do povo que desde a tenra idade aprende a adorar seus heróis. A chegada em massa de estrangeiros repletos de dólares, roupas e acessórios importados motiva a cobiça dos cubanos. Os nativos da Ilha possuem um alto grau de escolaridade e um dos sistemas de saúde mais eficientes do mundo, mas também vivem privações. Entre elas, a falta de alguns alimentos que só podem ser comprados através do peso conversível, uma moeda equivalente a um dólar e a 24 pesos cubanos.
O momento que o país atravessa é o reflexo 30 anos de uma política de dependência à União Soviética, em que os latinos exportavam suas matérias-primas e importavam produtos industrializados, numa típica relação metrópole-colônia. "Fidel apostou que o socialismo venceria o capitalismo e, a partir dos anos 90, entraríamos numa nova fase, com o desenvolvimento de nossa indústria e aquecimento econômico", analisa Soledad. "Mas quando Gorbachev, no final dos anos 80, começou a visitar Washington, começamos a prever o pior", continua. O bloqueio econômico estadunidense é, para ela, a principal causa dos problemas enfrentados naquele país. "Hoje em dia não temos nenhuma ajuda dos organismos internacionais, que são regidos pelos ianques, e nossos parceiros econômicos também são restritos".
Soledad vive em uma casa modesta, como a grande maioria dos cubanos. Um débil alambrado separa o terreno da rua de terra. Na entrada, podemos ver a placa que indica um dos CDRs de Cojimar. No andar de baixo, vivem a mãe, a avó, irmãs e sobrinhas da professora. Difícil encontrar uma casa em Cuba, por menos que seja, onde vivam menos do que cinco pessoas. Subindo pelo lado direito, tem-se acesso a uma escada de degraus estreitos, por onde se chega à casa de Soledad. Todos são recebidos pelos ganidos de Salsicha e Cuquita, suas cadelas de estimação.
Lá vive também um rapaz, a quem chamaremos Carlos e a quem a professora denomina seu sobrinho. O bigode fininho, o cabelo engomado e as roupas justas para evidenciar o porte delgado não deixam dúvidas de que encontramos um típico cubano. Soledad conta que Carlos sofre de problemas emocionais, mas não revela quais. Numa breve conversa, o rapaz queixa-se da situação econômica em que o país se encontra, das condições de moradia e das dificuldades para se comprar alimentos afora os itens de primeira necessidade. Ele abre a caderneta de alimentação que recebe do governo e mostra alguns produtos que se podem comprar a preços subsidiados. Uma barra de sabão, um rolo de papel higiênico, arroz e pouca coisa mais. O salário mínimo não passa de MN 250, cerca de U$S 10. Um professor universitário ou um médico podem ganhar, talvez, o dobro disso.
Todos em Cuba amam o Brasil. Sabem também das dificuldades que enfrentamos aqui e talvez, por isso, se identifiquem com o nosso povo. Durante as tardes, assistem às novelas brasileiras. Uma das que fez mais sucesso por lá foi Esplendor. Paravam tudo o que estavam fazendo e postavam-se em frente à televisão. Depois vinham perguntar a nós o que passaria nos próximos capítulos. “É verdade que esta atriz é lésbica?”, queriam saber.
Carlos também contou que gostava de dançar. “Soy romântico”, revelou. “E as mulheres jovens hoje em dia não dão valor a isso”, queixou-se. Parecia sofrer por amor. Mudei de assunto e perguntei-lhe se conhecia o Brasil e do que mais gostava em nosso país. “La musica”, respondeu. “E qual o seu cantor brasileiro favorito”, quis saber. “Todas de Roberto Carlos e Nelson Ned”.
Todos em Cuba amam o Brasil. Sabem também das dificuldades que enfrentamos aqui e talvez, por isso, se identifiquem com o nosso povo. Durante as tardes, assistem às novelas brasileiras. Uma das que fez mais sucesso por lá foi Esplendor. Paravam tudo o que estavam fazendo e postavam-se em frente à televisão. Depois vinham perguntar a nós o que passaria nos próximos capítulos. “É verdade que esta atriz é lésbica?”, queriam saber.
Carlos também contou que gostava de dançar. “Soy romântico”, revelou. “E as mulheres jovens hoje em dia não dão valor a isso”, queixou-se. Parecia sofrer por amor. Mudei de assunto e perguntei-lhe se conhecia o Brasil e do que mais gostava em nosso país. “La musica”, respondeu. “E qual o seu cantor brasileiro favorito”, quis saber. “Todas de Roberto Carlos e Nelson Ned”.
Um comentário:
Legal Ciço. Aproveito para indicar a leitura do meu Diário de um turista em Cuba, que está em pdf no Blog do Márcio (http://marcio.avila.blog.uol.com.br/cuba.htm), que sou eu.
Abraços.
Márcio de Ávila Rodrigues
marcio.avila@uol.com.br
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