Há muito tempo conheci um cara. De boa família, bem nascido, como dizem os tijucanos, caretas e rodrigueanos. Venceu na vida, tornou-se doutor, de acordo com os ditames capitalistas e vizinhas mexeriqueiras. Apartamento próprio, carro na garagem, emprego público, bom partido. Tudo certinho, arrumadinho, limpinho e ajeitadinho. Meia dúzia de bons amigos de quem recebia os telefonemas nos dias de aniversário e mais uma penca de confrades e camaradas, com quem podia tomar umas cervejas nas vésperas de feriado e dias santos. As mulheres tampouco lhe faltavam. Respeitador, cavalheiro, pagava a conta, abria a porta, puxava a cadeira etc e tal. Não era o tal, mas também não fazia feio na alcova. Em suma, um cidadão tipicamente mediano, desses muitos que se encontram por aí.
Apesar de tudo nos conformes, parecia sempre carregar um ar tristonho, um olharzinho baixo, um semblante carregado. Tá certo que o América não anda lá muito bom das pernas há muito tempo. Mesmo assim, sorria, bebia, comia e conversava amenidades no boteco da esquina, participava animadamente das rodinhas de carteado, jogava conversa fora com a turminha da praia, vez por outra viajava para um lugar ainda desconhecido. Mas o sorriso era aquele assim, meio amarelo, meio de lado, envergonhado, com medo de sair, acontecer alguma coisa e... tudo mudar.
Era como se fizesse um esforço desgraçado para estar ali, naquela média pra lá de comum a qual fazia parte, mas que talvez lhe fosse imposta. E mesmo assim, não estava satisfeito. Parecia sentir que tudo aquilo um dia iria embora. Ou então que nada daquilo era suficiente. Como se tudo que fizesse para ser amado pelos outros não fosse suficiente, pois não conseguia amar a si mesmo. Buscava a aceitação no outro e ficava feliz quando ela vinha. Ah, a felicidade, esta coisa desconhecida que ninguém consegue definir, todos almejam e que, por isto, dela somos escravos. O diabo era quando parecia não ser amado. Uma simples palavra não dita, um aceno ignorado, um beijo negado, um bom dia não respondido, um abraço apressado era suficiente. Sentia-se abandonado, desprezado, a pior das criaturas. Faltava-lhe o ar, ardia o peito, como se fosse sangrar até a morte. Passava as noites em claro e os dias sem rumo.
Carecia de amor próprio, aquele do bom selvagem rousseauniano, das priscas eras pré-civilização, quando não cobiçávamos ter o que não tínhamos e contentávamo-nos com o que nos era essencialmente autêntico. Não esta autenticidade pós-moderna fabricada, em que todos buscam ser diferentes como todo o mundo. O meu amigo pós-moderno sofria do mal do século: o amor autêntico ou o não-amor próprio.
Outro dia revi o cara. Estava lá na mesma esquina de sempre, sorrindo, entre outros amigos, bebendo, comendo, falando. Por um breve instante, pude perceber uma lágrima furtiva rolar face abaixo, que ele logo tratou de enxugar antes que alguém percebesse. Minha vontade era chegar mais perto, dar-lhe um abraço apertado e dizer-lhe: ama-te! Mas, antes que pudesse me aproximar e pronunciar qualquer palavra, o cara se foi. Saiu de mansinho, rumo ao seu mundo interior.
Ciço Pereira
Rio, 20/08/2013.
Ciço Pereira
Rio, 20/08/2013.
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