Povo toma a Plaza del Sol em Madri, anuncia a manchete do Globo de domingo. Da África para a Ásia, de lá para a Europa. Classe média brasileira, consumidora antenada e voraz de informação instantânea se mobiliza nas redes sociais e organiza sua própria revolução. TV Globo compra os direitos exclusivos de transmissão, vende as cotas de patrocínio, divulga em seus canais de internet e o tópico rapidamente vira #TT.
Zeca Camargo e Gloria Maria transmitem ao vivo, direto de uma praça perto de você. Rapaziada esperta envia SMS pros amigos. Show de Luan Santana, Restart, Pitty e Seu Jorge na Apoteose, em prol do movimento. CQC faz matéria, Alexandre Garcia, os comentários e o Segundo Caderno publica na capa mais uma entrevista do Caetano sobre a insurreição.
CUT intermedia o diálogo entre governo e trabalhadores, alçando o dirigente da vez a uma vaga na Câmara. No Congresso, Gabeira defende a revolução e Artur Virgílio diz que o governo precisa "ouvir a voz das ruas", da qual autodenomina-se paladino. CNBB defende a fraternidade revolucionária, mas afirma que precisam ser preservados os valores cristãos. Centenas de ônibus vindos da Baixada chegam para a grande manifestação evangélica no Aterro do Flamengo, que terá show de cantores gospel.
Bolsonaro convoca a marcha da tradição, família e propriedade e coisa que o valha, com apoio de Marcelo Crivela, ACM Neto e Wagner Montes, que, no programa de TV, manda que "prenda e arrebente" quem for contra. Datena também apóia o movimento. Boris Casoy diz que o país está uma "vergonha", mas em áudio que vaza do estúdio, o âncora afirma que os trabalhadores que se mobilizam "são a escória da sociedade". Sérgio Cabral diz que "o Rio é a vanguarda da revolução no Brasil" e que o estado deve receber royalties por isso. Nas favelas pacificadas, pipa no alto, kichute no fio, pelada na terra e revolução na tv, via gatonet.
Luciana Gimenez recebe no estúdio os líderes do movimento, ao lado de Agnaldo Timóteo e a renascida Rosana, a deusa. Ana Maria Braga convida o líder do segmento estudantil para tomar café da manhã e fazer uma receita ao vivo. No Brasileirão, jogadores entram em campo com faixas dizendo "Revolução, eu apóio", com patrocínio do Itaú, Nova Schin e Coca-Cola.
A proposta de emenda constitucional revolucionária vai para votação na Câmara. O Estadão pede o impeachment de Dilma em editorial reivindicando a posse de Serra, segundo colocado nas últimas eleições. A classe média paulista exige que o comando não seja encabeçado por nordestinos, mas sim por alguma liderança do DEM, PSD e aliados.
Nesse meio tempo, um novo crime passional ou familiar choca a sociedade e todos pedem a redução da maioridade penal para 12 anos. No fim, o governo vence na Câmara e no Senado, com votação esmagadora da "base aliada", leia-se, os neo-revolucionários do PTB, PP, PR e quejandos. E aí, no domingo seguinte faz um puta sol, o último capítulo da novela revela quem matou o vilão da vez, a final do campeonato mobiliza as atenções de todos e ninguém mais se lembra de revolução alguma.
Por Ciço Pereira
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