Sou como artista, o impulso metamorfósico inconstante das formas. No caule do meu elemento imaginário, habita o anseio do novo em minutos e horas. A estagnação e vazio do pensamento são causas para o surgir. Não há certezas de incertezas, mas o signo de ira e amor, de dor e pétalas, dos meus sonhos, da minha sombra e dos meus passos. Encontrarei na imagem apenas aquilo que eu próprio tiver colocado nela. Se na percepção o saber se forma lentamente, na imaginação ao contrário, o saber é imediato. No ato mesmo pelo qual imagino uma imagem, está incluído esse conhecimento: a imagem nada me dá de novo, nenhuma surpresa pode me causar.
A auto-definição acima abre o blog de Tito Oliveira, o artista que mais insinua do que revela. E é assim, insinuando-se, que este artista vai pouco a pouco seduzindo, a partir da percepção seja de seus quadros, desenhos, instalações ou mesmo de suas palavras. O lirismo é o que prevalece. Nascido em Lagarto, agreste sergipano, passou grande parte da vida em Salvador, rodou por cidades do sul, sudeste, nordeste e da América do Sul, até chegar a São Paulo, onde vive, pelo menos até o fechamento desta matéria. Influenciado pela estética pop, sua obra cutuca a hipocrisia nossa de cada dia. Alfineta a modernidade, seus valores superficiais, a brevidade das relações interpessoais, os tecnologismos da sociedade de consumo do século XXI e até mesmo a nossa própria identidade.
Washington Silva dos Santos há apenas dois anos se tornou Tito Oliveira, “junção de um apelido de infância com o sobrenome de meu pai”, explica. Se a alcunha ficou mais simples e breve, o ser adquiriu meios para expressar toda a sua complexidade. Filho da dona de casa Vera Lúcia dos Santos e do motorista Carlos Oliveira dos Santos, Tito se auto-intitula “um verdadeiro vestígio de uma colonização mal planejada”. Para os pais, a transformação de Washington em Tito foi um sintoma de ascensão social, quase um milagre ou, como prefere o artista, “uma fenomenologia dos deuses”.
Como um Basquiat brasileiro do século XXI, Tito se define como “um pesquisador e autodidata”. Desde a infância teve contato com a arte. Era daqueles meninos que passava as aulas de matemática fazendo a caricatura do professor que escrevia no quadro negro. Seu talento é então revelado no colegial por sindicalistas. Desenhava charges, quadrinhos e ilustrações políticas para veículos de classe. “Lembro que os sindicatos pagavam dez reais por desenho”, conta. Os amigos músicos, então, começaram a chamá-lo para desenhar as capas de seus discos. É quando tem contato pela primeira vez com o universo artístico e do business. “Lembro da sensação de ser invadido pela arte, a observação de todas as construções de formas, a iluminação dos cenários e o contato com outros artistas, renomados e famosos”, deslumbra-se. Passou também a freqüentar a Escola de Belas Artes da Bahia. “Embora não encontrasse muitos artistas, adquiri uma visão mais ampla na exploração dos materiais”. Mas, segundo ele, a revelação veio do ostracismo, quando passou oito meses vivendo em uma colônia italiana, na região metropolitana de Salvador. “Sem meio social, conversando muito comigo e com a pintura, senti a obra me manipular, me redimir e me construir”.
Aos 28 anos, o menino de Lagarto já chegou mais longe do que muitos acreditavam. A Bahia ficou pequena quando, em 2005, Tito venceu o prêmio A Qualidade do Brasil, na categoria “Decoração conceitual e cenário” e, no ano seguinte, levou o primeiro lugar do Salão Regional de Artes Plásticas da Bahia, em Vitória da Conquista. O prêmio, concedido pela Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), lhe rendeu um prêmio de R$ 5 mil. Em 2006, Tito arrumou as malas e foi mostrar seu trabalho na Europa. Sua obra Inércia, foi selecionada para a London Biennale, a exposição mundial de desenhos da capital inglesa. O artista também recebeu o prêmio da Fundação Cultural Européia (Amba), em Roma, na categoria “pintura” pela obra Pudores, parte integrante do projeto Identidade Nacional. Foi também na capital italiana que realizou a sua primeira exposição individual no Velho Continente: Fotografia de orifício manipulada (foto abaixo).
Como dizia Gonzaguinha, Tito “pensava que era um guerreiro com terras e gentes a conquistar”. Buscou saída em outras culturas. “Com uma realidade instável, era inevitável que me tornasse nômade”, diz. Assim, pôs o pé na estrada e conheceu Rio de Janeiro, Recife, Alagoas, Florianópolis, Curitiba, Belo Horizonte, Buenos Aires e Viña Del Mar no Chile. Morou em Sergipe, Ceará, Salvador, Teresina e São Paulo. Conta ainda que sofreu preconceitos, mas conseguiu se impor. “Muito embora minha interação social fosse vulnerável a rejeições, devido à minha origem, sempre fui contemplado por meu nível intelectual e erudição inexplicável”. E cita Platão: "Quanto menos se fala mais se aprende".
Atualmente, Tito trabalha em Impressão Digital, coleção que representa as várias etapas evolutivas na vida de um homem através de manipulações com impressões digitais, propriamente ditas. “A concepção representativa é proveniente da relação entre as interferências circunstanciais na formação de uma personalidade e a necessidade do estabelecimento de um signo, compatível aos padrões exigidos para a sua inclusão social”, diz em seu blog.
Identidade Nacional é outro projeto que caminha para sua fase de conclusão. As obras têm um caráter macunaímico, buscando interpretar a nossa realidade através de nossa origem miscigenada, como o fez Mário de Andrade na primeira metade do século passado. Quase como um anti-herói nacional, Tito joga na cara tanto de incautos xenófilos, quanto de imberbes xenófobos, nossa ancestralidade antropofágica inegável. Tito utiliza como base as teorias contidas em Literatura e subdesenvolvimento, de Antônio Cândido, para explicar as origens dos nossos próprios males. Cândido afirma haver as tendências de cópia e rejeição para com uma cultura dita estrangeira. “No primeiro caso, postula-se uma subordinação total e declarada aos padrões da cultura estrangeira. (...) No segundo caso, a idéia de rejeição aponta para uma recusa intransigente de todo e qualquer contributivo que venha de fora, buscando a todo preço uma originalidade ilusória. (...) não nos damos conta da recusa de uma importante junção cultural para o surgimento de uma nova cultura. Esta recusa implica, em todo caso, em genocídios culturais, artísticos e, sobretudo, no desenvolvimento do homem em sociedade”, afirma no blog.
O trabalho de Tito não se resume às telas. Ele também ministra o curso "Desenho Artístico e Pintura - Introdução à Arte Contemporânea" para funcionários do núcleo de medicina da Unifesp e moradores da Vila Mariana e de Santa Cruz, bairros de classe média de São Paulo. O convite chegou através de uma psicóloga adepta da arteterapia. O trabalho permite que Tito perceba o distanciamento do brasileiro médio do universo da arte contemporânea. “Existe, por parte da mídia uma influência no sentido de afastar as pessoas deste conhecimento. Embora existam programas e documentários interessantes sobre artes em redes fechadas e abertas, a atenção é direcionada para transmissões cada vez mais rasas”, analisa.
Mas o artista não se preocupa apenas em ensinar arte para a burguesia paulista. Na maior cidade do país Tito ensina os fundamentos da arte para alunos de três escolas públicas. Além disso, em novembro de 2006, deu aulas para jovens de Macajuba, cidade de 3 mil habitantes do sertão baiano. O convite partiu da ONG Cria (Centro de Referência Integral de Adolescentes), que organizou o IV Encontro Ser-tão Brasil – Fé na Terra, Pé no Chão. Os 28 alunos, que até então tinham referências baseadas apenas no grafite, tiveram, em apenas três dias, uma iniciação à arte contemporânea, em que aprenderam técnicas de pintura em muro. “Foi uma experiência muito favorável para o meu trabalho e para mim, como cidadão”, diz.
O artista também desenvolve instalações, trabalhos de intervenção urbana e decoração conceitual. “Embora minha iniciação artística provenha da linguagem pictórica, sou um artista contemporâneo/pós-moderno e prevaleço pela exploração em experimentos para novas linguagens e expressões”, define-se. Entre os trabalhos realizados estão as instalações da exposição Filtros, no interior da residência do colecionador e crítico de arte Dimitri Ganzelevitch, na Rua Direita do Santo Antônio, em Salvador, em 2006. Nesse mesmo ano, Tito esteve na 3ª etapa do Salão Regional de Artes Plásticas da Bahia, em Alagoinhas, com a obra Luzes dos Escuros (foto abaixo).
Atualmente, Tito divide seu tempo e espaço entre o trabalho e a família. “Meus princípios como cidadão foram literalmente alterados”, garante. “A boemia era uma constante em minha vida e isso interferia em minha disciplina e em minha concentração. Devo à minha esposa Carla muito do que sou hoje”, derrete-se. Mahanah, filha de Carla, vive com os dois. “No início, a dificuldade maior era a falta do espaço necessário para criação dos meus trabalhos. Agora, em nossa nova casa, disponho de uma área externa para concluir meus projetos”. Tito admite que apesar da adaptação difícil, o contato com o universo infantil, o fez observar novas possibilidades, a ponto de ter ingressado em uma faculdade de Pedagogia. “Com tantas trocas sublimes, fui percebendo que estava ficando mais rico”.
Tito demonstra incrível lucidez na condução de seu trabalho e nos objetivos de sua obra. Abordando temas existencialmente inquietantes, questiona de maneira igualmente incisiva passado e futuro. “Para a construção do meu trabalho é preciso que sua condução seja coesa a uma filosofia”. Embora sempre muito lírico, dá pistas de qual seja esta filosofia. “Penso que o que me favorece é a provocação de reflexões diante do que consiste em meu trabalho, enquanto condição humana”. Pescou?
Quanto às futuras gerações de artistas, Tito observa uma dicotomia a ser superada: “Certos artistas contemporâneos se moldam, neuroticamente, a cada salão que surge para vender currículo e não arte”, declara. Mas como viver de arte sem precisar se adaptar aos tempos da arte-business? “Quantos talentosos artistas violentam sua arte na esperança de conseguir alguma medalha ou ser aceito em algum salão? Quando me indagam qual requisito seria necessário para o participante lograr êxito, respondo: coerência”, aponta. Para ele, apenas a obra dirá quem é o artista. “O artista só se torna maduro ao longo de vários anos de exercício de sua arte. E a sua arte é sua convicção artística. O resto é monitoramento”, afirma. Tito propõe o rompimento como saída para a arte e cita expoentes da arte pop como exemplos. “Depois da revolução artística da arte pop nos anos 60, com Andy Warhol, Tom Welsseman, Dan Flavin, Dan Graham, Duchamp e outros, romper os lugares obsoletos para interferir em espaços inusitados é algo bastante arrojado. Além disso, o mundo moderno disponibiliza recursos tecnológicos, para pesquisas, construindo um viés maior para a exploração de novas linguagens e expressões”, conclui.
Imagens (pela ordem em que aparecem):
1 - Expansão, vencedora do prêmio Funceb, na Bahia, em 2006, faz parte da coleção Simbiose.
2 - Fotografia de orifício manipulada, parte da coleção Identidade Nacional, primeira exposição individual de Tito Oliveira na Europa, em Roma, Itália.
3 - Impressão Digital, um dos trabalhos mais recentes, ainda em fase de conclusão.
4 - Oficina de pintura em muro, realizada em novembro de 2006, em Macajuba, BA.
5 - Instalação Luzes no Escuro, obra que fez parte do 3o Salão Regional de Artes Plásticas da Bahia, em 2006.
6 - Tito Oliveira.