quarta-feira, fevereiro 26, 2014

Rio de Fevereiro

Dez da manhã de quarta-feira pré-carnaval e ouço de minha janela a banda tocando “Cabeleira do Zezé”. No Rio de Janeiro, o carnaval chega antes e vai embora depois... ou melhor, o carnaval não acaba... o Rio é o carnaval e o carnaval é o Rio. Ambos se confundem. Ambos são irreverentes, não se levam a sério, riem de si mesmos, são oposição, contrários à ordem vigente, anárquicos... 

Mas, nos últimos tempos, nossos governantes teimam em contrariar nossa própria vocação, tentando impor mais lei, ordem, controle, segurança... palavras que definem um sentimento de medo profundo de uma pequena parcela da sociedade contra a maior parte de nossa população... o medo está atrelado ao preconceito, ao distanciamento, ao desconhecimento do outro, do estranho... que está ali, do seu lado e é, ao mesmo tempo, tão diferente, mas tão igual a você.

É por isso, meus amigos, que proponho o rebatismo de nossa cidade para São Sebastião do Rio de Fevereiro. Uma refundação que represente uma cidade mais democrática, mais alegre, mais viva, mais feliz. E, ao mesmo tempo, menos institucional, menos oficial, menos gentrificada, menos mercadológica, menos fria, menos desumana...

E bom carnaval a todos!

segunda-feira, fevereiro 24, 2014

O estranho em mim


Avistei-o de longe na mesma calçada. Com medo no olhar e movimentos diametralmente opostos. Pé ante pé. Como uma imagem refletida no espelho das ruas. Entre rostos indistinguíveis na multidão, enxerguei meu estranho, aquele a quem abomino em mim mesmo. 

Temi-o tal qual a possibilidade do confronto com minhas mais inconfessáveis angústias. Meu anti-herói, meu alterego do avesso. A iminência do encontro fazia-me suar sob o calor saariano. Senti as gotas de suor rolando face abaixo de minha imagem e semelhança. 

Engraçadamente constrangedor, atemorizadoramente embaraçoso. A tentativa de não coincidir os passos que convergiam para o mesmo ponto foi desesperadora. Um movimento à direita meu, um à direita dele. Um gesto à esquerda de cá, um à direita de lá. Sincronicamente combinados e estávamos frente à frente. 

A pressa dos transeuntes, o pavor de cruzar olhos nos olhos, o risco de um esbarrão acidental que nos tirasse de nossas individualidades invioláveis guiaram-nos à tentativa infrutífera do desencontro. 

Inútil evitar. Esbarramos nossas privacidades, trombamos nossas diferenças, roçamos nossas idiossincrasias, misturamos nossas idiotias, nos perdemos em nossos preconceitos, para, ao fim, confundirmo-nos em nossas identidades.

E tudo acabou num sorriso.


Ciço Pereira
Rio, 24/02/2014.

terça-feira, fevereiro 11, 2014

Aos trinta e cinco

Singro as águas revoltas do rio ao largo da costa
Castigam-me o vento, a chuva, o sol e o sal
Mantenho o torso desnudo e a pele exposta
Procuro em porto seguro abrigo de todo o mal

Olhos marejados, corpo exausto, pernas e braços reagem
O medo se faz companheiro de viagem
O erro ensina e nos traz a coragem

Do alto da montanha avisto-me ao barco
Vejo-me ao longe, ao passo e ao largo
Afasto-me para contemplação e reflexão
Erro e acerto, sucesso e fracasso
Corrigindo a rota, realinhando o prumo

Serenidade, paciência
Temperança, resignação
Bom humor, persistência
Foco e determinação
Indispensáveis em qualquer navegação

Sigo em águas tranqüilas ou bravias
Instabilidade sujeita a calmarias
Onde o porto seguro é passageiro
E a liberdade além da linha do horizonte.

Ciço Pereira
10 de fevereiro de 2014.